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março 20, 2012
Nova York em pé de guerra por Juliana Monachesi, Revista Select
Nova York em pé de guerra
Matéria de Juliana Monachesi originalmente publicada na Revista Select em 15 de março de 2012.
Várias mostras em Chelsea tematizam conflitos socioeconômicos
Exposições pela cidade demonstram que os ares de Occupy Wall Street ainda assolam Gotham City
Os protestos que tomaram de assalto o bairro de Wall Street, em Nova York, em setembro de 2011, em que um movimento contra a desigualdade econômica e social e contra a influência das grandes corporações financeiras no governo conquistou as ruas, as páginas de jornal no mundo inteiro e as redes sociais digitais, espraiando-se e inspirando atitudes semelhantes globo afora, continua firme e forte no imaginário cultural de NY. Na primeira semana de março, um tour pelas principais exposições em cartaz em museus e galerias da cidade dava a medida do impacto da onda recente de desobediência civil na criação contemporânea.
De downtown ao Upper East Side, da vanguardista trienal do New Museum à tradicional bienal do Whitney, das galerias de Chelsea àquelas participando do Armory Show, obras com cara de "ocupação" definem o zeitgeist. A ponto de, quando um artista foge demais ao clima dos tempos, a crítica descer a lenha, tachando a exposição de retratos de famosos por Eric Fischl de fútil, por exemplo. Bem distantes da futilidade estão as mostras individuais de Norbert Bisky na galeria Leo Koenig Inc., de Maximilian Toth, na galeria Fredericks & Freiser, e do grupo Gran Fury na galeria 80WSE. Até o final do mês, a seLecT posta aqui no site outras reportagens e críticas sobre as exposições visitadas em Nova York.
Intitulada Stampede, a exposição de Bisky é organizada "em torno do fenômeno da histeria em massa exibida quando em uma multidão em pânico pessoas começam a pisotear umas as outras", segundo informação do press release disponível na galeria Leo Koenig Inc. (que também pode ser consultado no site). O título faz referência às idéias gerais de "mentalidade de rebanho" e de dependência (humana e animal) dos impulsos e da liderança. "Bisky vê o tumulto como uma metáfora para o estado atual das coisas", prossegue o resumo da galeria, ressaltando que o tema da exposição, no entanto, foi motivado diretamente pela tumulto recente na maior rave techno da Alemanha, a Love Parade de 2010, em que 21 pessoas morreram e 500 pessoas ficaram feridas.
Sem ter conhecimento do contexto específico de onde partiu a investigação do artista para esta sua terceira individual na galeria nova-iorquina, a impressão que se tem é que o ambiente caótico pontuado por pinturas dramáticas mostrando corpos ensanguentados e rostos desfigurados só pode simbolizar as feridas sociais que o capitalismo tardio está promovendo no mundo. "A instalação de Bisky é uma reflexão sobre as consequências de uma festa que, de repente, e devastadoramente, deu errado. Em meio a pinturas do artista estão espalhados escombros estruturais e outros resíduos, juntamente com uma infinidade de aparelhos e apetrechos de segurança que, depois de serem confrontados com um confuso esmagamento humano, parecem inúteis e inertes", conclui o release. Pensando bem, talvez seja a rave a principal metáfora aqui.
Sobra a exposição de Maximilian Toth, o texto do press release da galeria Fredericks & Freiser informa que as figuras de base do artista "reencenam, mergulhados em uma sufocante orgia, versões contemporâneas de ritos de iniciação há muito abandonadas. Eles entram em guerra para testar a força, estimular a lealdade e desafiar a fé. Eles procuram o perigo para estabelecer a glória. No entanto, dentro desta pesquisa há uma violência inerente que revela uma natureza primordial. Em última análise, a sua ânsia de destruir torna-se seu veículo para desafiar as limitações".
Uma "percepção de que a vitalidade é fugaz e o corpo é frágil" seria ainda outro tema da mostra do artista norte-americano. Uma pesquisa no site de Toth releva logo que os desvios da juventude são um motivo antigo em sua produção. Mas a galeria tomada por pinturas que se espraiam pelas paredes para fora das bordas da tela e de desenhos feitos diretamente na parede é uma cena que conecta imediatamente o espaço na rua 24 com a praça, não muito distante dalí, Zuccotti Park, em Wall Street. Assim como o "tumulto" de Norbert Bisky, esta "revolta" de Toth demonstra como não cabem na moldura da tradição os movimentos contemporâneos de protesto e mobilização.
Em uma galeria no coração da Universidade de Nova York, a 80 Washington Square East, acontece a primeira exposição a documentar de forma abrangente o trabalho do Gran Fury, influente coletivo de arte e ativismo nos anos 1980. Com curadoria do coletivo e do diretor-assistente da 80WSE, Michael Cohen, a exposição é composta por 15 peças, incluindo as mais importantes obras públicas do grupo, Kissing Doesn't Kill, Welcome to America e Women Don't Get AIDS, reproduzidas no formato de grandes murais.
"O trabalho do Gran Fury aumentou a consciência pública sobre a AIDS, fez pressão sobre os políticos e abriu um espectro mais amplo de compreensão sobre as práticas artistico-políticas e coletivas que floresceram no centro de Nova York durante os anos 1980 e 1990. Com um nome emprestado ao modelo de automóvel Plymouth utilizado pela New York City Police Department, o Gran Fury fez projetos públicos que eram simultaneamente mordazes, provocadores, elegantee e, muitas vezes, bastante engraçados. A exposição transmite a voz única do coletivo em uma ampla variedade de meios, incluindo outdoors, cartões-postais, vídeos, cartazes e pinturas que contribuíram para transmitir cedo a urgência da crise da Aids e levaram muitos às ruas para exigir reformas que mudaram a política pública e salvaram vidas", analisa o texto de divulgação.