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março 19, 2012
Renato Valle abre hoje a exposição Cristos e Anticristos por Renato Contente, Jornal do Commercio
Renato Valle abre hoje a exposição Cristos e Anticristos
Matéria de Renato Contente originalmente publicada no caderno de Artes Plásticas do Jornal do Commercio em 12 de março de 2012
Novo trabalho do recifense, cuja abertura acontece hoje na UFPE, traz reflexão sobre a influência da religião na contemporaneidade
Depois de transitar pelo desenho, pintura, gravura e fotografia, o artista plástico Renato Valle decidiu realizar um antigo desejo: ampliar a dimensão de seu trabalho com esculturas e objetos. É com essa vontade materializada que o recifense abre hoje parte da exposição Cristos e anticristos, ao meio-dia, na Galeria Capibaribe, no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Pela vastidão do material produzido, outra parte do trabalho será exposta na Galeria Dumaresqe, em Boa Viagem, com abertura na próxima-quarta-feira, às 18h.
O projeto partiu de um objeto em comum em quase toda sua extensão: o crucifixo. Unido à diversos materiais e técnicas artísticas, o símbolo da cruz ganhou um sem-número de conotações, utilizando seus novos significados adquiridos como crítica ao fanatismo religioso e à hipocrisia social. “O crucifixo foi escolhido por uma antiga inquietação minha. Na maioria das suas representações tradicionais, a cruz ainda aparenta ser de madeira polida, bem acabada, como se fosse preparada para o repouso de um rei branco de olhos azuis, e não para punir um bandido”, justifica Renato Valle.
As reflexões e angústias do artista se desdobraram em colmeias, grades e cruzes com Coca-Cola, colocando em xeque a afirmação de que a bondade é inerente ao ser humano, e que a maldade depende de fatores externos à ele. Ser humano pressupõe fazer escolhas que estão além de ser do bem ou do mal, e é a consciência dessa cota de humanidade que Valle tenta suscitar em cada um dos visitantes da exposição.
O anticristo do título não tem nenhuma conotação apocalíptica. Em referência literal ao prefixo, indica um cristo em posição oposta a outro, passando longe de levantar dúvidas quanto a ser o “filho do dêmonio” temido pelos cristãos. A formatação recorrente dos dois cristos polares em conflito indica a dicotomia da natureza humana, dividida entre luz e sombra, amor e ódio, fé e descrença.
Em uma das peças mais emblemáticas, e de feitio dos mais complexos, está o Mealheiro. Feito à base de resina de poliéster e em várias etapas, a obra conduz a uma reflexão entre poder simbólico e econômico, quando a religião se utiliza da fé para explorar fieis em troca da promessa de salvamento material e espiritual. Dentro da cabeça transparente do cristo, moedas e cédulas reforçam a ideia.
A disposição de cristos em grades também faz parte da mostra, constituindo mais um objeto de dualismo: a grade ao mesmo tempo como sinal de proteção e opressão dos meios externos. Um dos destaques é a série de cristos equilibristas e em coreografia para nada sincronizado. A imagem do cristo é rigorosamente a mesma que se vê nas igrejas, mas a situação em que foi posto lhe dá uma configuração completamente diferente. “Me incomodo com a tradição de associar o cristo crucificado à dor e ao sofrimento. Essas peças foram uma tentativa de tirá-lo desse estado. Não houve ironia ou intenção de ferir nenhuma ideia.”, explica o artista, que desejou imprimir vida à figura sacra do cristo, esta simbolizada pela dança e pela alegria.