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março 19, 2012
Uma fila para verbas por Mariana Durão, O Estado de São Paulo
Uma fila para verbas
Matéria de Mariana Durão originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de São Paulo em 19 de março de 2012.
Produtores culturais cariocas que pleiteiam recursos do edital 2012 da Lei Municipal de Incentivo à Cultura para seus projetos estão desde sexta-feira na porta do Centro de Artes Calouste Gulbekian, no centro do Rio, determinados a lá permanecer até a próxima sexta. Vale a ordem de chegada, daí a disposição para a vigília. Ontem, a fila passava de 60 pessoas.
O Calouste, que fica numa área movimentada apenas em dia de semana, e sempre deserta durante a noite, é o local designado pela prefeitura para a entrega de documentos necessários ao recebimento de verba por produtores previamente cadastrados. Todos os projetos já conseguiram patrocínio de empresas interessadas na renúncia fiscal do Imposto Sobre Serviços (ISS). Mas as patrocinadoras só liberam o dinheiro quando o processo é concluído na Secretaria de Cultura, o que só poderá ser feito na sexta-feira, com a entrega do Termo de Compromisso e Adesão.
O cenário no "assentamento cultural" é digno do teatro do absurdo ou do roteiro de um filme de horror. Sem banheiro ou restaurantes próximos, os candidatos tomam chuva e tentam se acomodar no chão ou em cadeiras de praia. Representantes de empresas também estão na fila.
Algumas optaram por fazer um rodízio de funcionários. Na disputa, estão projetos de música, dança, teatro, cinema, fotografia, artes plásticas, literatura e restauração. Os produtores podem captar até R$ 800 mil por projeto. Já as empresas podem ter imposto deduzido até o valor de R$ 3 milhões.
Assistente administrativa da Casa da Palavra, Maria Cassiana vai se revezar com outras três pessoas da editora. "É uma prova de resistência física e psicológica. Já fizemos esse esquema quatro vezes, mas nunca por uma semana, como agora." Dormindo numa barraca, o produtor Paulo Branquinho tenta defender a verba para duas exposições de arte. Para conseguir a senha de número 40, ele chegou ao meio-dia de sexta. "O primeiro grupo chegou às 8 da manhã. Passei de 54º para 40º porque muitos desistiram. Outros produtores contrataram pessoas para esperar, mas acho que ficar aqui é uma forma de pressionar o prefeito Eduardo Paes."
A esperança de Branquinho e de outros produtores é que Paes eleve a renúncia do ISS prevista para fomentar projetos este ano. O total soma R$ 14,8 milhões. Produtores ouvidos pelo Estado dizem que a adesão de empresas patrocinadoras no Rio superou R$ 60 milhões, mas a Prefeitura tem optado por praticar a renúncia mínima, de apenas 0,35% do ISS arrecadado, bem abaixo do limite de 1% estabelecido pela lei municipal. Pelos cálculos de quem aguardava, o dinheiro deve acabar no 21º da fila.
Para Viviane Ayres, produtora da Associação Cultural Cidadela, o crescimento da fila tem a ver também com o desequilíbrio entre o volume de projetos aprovados e os recursos disponíveis para a realização. Em junho de 2011, centenas deles receberam o OK da Prefeitura, que em dezembro analisou outros tantos. "A categoria é pouco articulada e fica aqui com o pires na mão. Mas a demanda é muito maior que a oferta."
Outro ponto citado pelos produtores é o predomínio de grandes patrocinadoras entre os contemplados. Empresas como Unimed, Chemtech e Operador Nacional do Sistema (ONS) tinham anteontem representantes nos primeiros lugares da fila. O valor de 3 milhões (R$ 800 mil por projeto) é muito diante de uma subvenção total de R$ 14,8 milhões. No ano passado, juntas, elas inscreveram incentivos de mais de R$ 8 milhões. Contax, Amil e Odebrecht entraram com outros R$ 6 milhões.