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março 19, 2012
Lygia Pape ganha novo sentido em tempos de revolução política por Silas Martí, Folha de São Paulo
Lygia Pape ganha novo sentido em tempos de revolução política
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno de Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 17 de março de 2012.
Numa era de revoluções em praça pública, como as que abalaram o mundo no ano passado, a obra de Lygia Pape nunca esteve tão atual.
Enquanto o museu Reina Sofía abria há pouco menos de um ano em Madri a retrospectiva da artista que chega hoje à Estação Pinacoteca, os chamados indignados ocupavam a praça do Sol no coração da capital espanhola.
Pape, morta aos 77 em 2004, teria visto naquela ocupação um exemplo do que fotografou ao longo da vida como "Espaços Imantados", lugares na cidade com um poder de atração magnético, pontos fulcrais de vida e movimento na trama urbana.
Mas tanto nos experimentos mais formais, como desenhos e gravuras de abstrações geométricas, quanto nas performances sensoriais que arquitetou, Pape buscava uma fusão entre arte e vida.
Divulgação
Xilogravuras sobre papel japonês da série 'Tecelar', de Lygia Pape, na Estação Pinacoteca
Em seu "Livro do Tempo", megainstalação composta de 365 quadros coloridos, todos variações geométricas de um quadrado, Pape faz justamente isso: funde a passagem do tempo, um ano, à mutação das formas no espaço.
Sua disposição no museu também induz à caminhada, dando a sensação de marcha e progresso e, ao mesmo tempo, de insignificância diante da extensão dos quadrados que se alastram pela parede.
"Ela faz esse 'livro' pensando no sentido rítmico das palavras", diz Manuel Borja- Villel, curador do Reina Sofía. "É como uma dança."
Essa elasticidade, uma alternância entre forma abstrata e presença potente e física no mundo, marca toda a obra da artista. Nada ali é ornamento, acessório ou gratuito.
Quando cobriu uma multidão com um enorme manto branco, deixando buracos para as cabeças, Pape criou a imagem contundente de corpos separados da razão, cabeças decepadas no momento mais crítico da política nacional --1968, ano do AI-5.
Registros dessa performance, que aconteceu pela primeira vez nos jardins do Museu de Arte Moderna do Rio e depois foi repetida em Nova York, Madri e São Paulo, estão na mostra da Pinacoteca.
"Uma obra dessas nunca está fechada", diz Borja- Villel. "Tanto a política quanto as formas abstratas fazem parte da ética do questionamento, uma atitude vital."
Numa quase ilustração dessa arte vital, Pape se fechou num cubo e saiu dele, rompendo suas faces, na performance "O Ovo", de 1967.
Ou seja, no ano em que despontou a tropicália, Pape fez o trabalho que ajudou a enquadrar sua obra no que alguns críticos chamam de modernidade tropical, a forma como brasileiros, antropofágicos ou não, distorceram cânones artísticos de europeus e norte-americanos.
"Precisou passar um certo tempo para que se pudesse entender Lygia Pape", diz o curador. "Ela questiona a essência de todos os cânones."
Lygia Pape - Espaço Imantado, Estação Pinacoteca, São Paulo - SP, 18/03/2012 a 13/05/2012