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março 15, 2012
Inimigo público por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Inimigo público
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 15 de março de 2012.
Pichador da Bienal vira celebridade e faz longa sobre o controvertido movimento
Na hora em que pichou uma obra da Bienal de São Paulo, há dois anos, Djan Ivson, o Cripta, foi enforcado por seguranças e arrastado para um quartinho no térreo do pavilhão no Ibirapuera. Levou uns socos, perdeu o fôlego, achou que fosse morrer - até que outro guarda o deixou fugir para o parque.
Agora ele quer contar detalhes daquilo que o catapultou à fama. Imagens inéditas do momento em que Ivson invadiu o viveiro de urubus montado pelo artista Nuno Ramos na Bienal e pichou "liberte os urubu" (sic) estão num vídeo na mostra "São Paulo, Mon Amour", no Museu Brasileiro da Escultura.
É uma espécie de trailer para um longa-metragem em pré-produção, escrito por ele, que conta a história dos pichadores na metrópole, gente "que anda sujo, sai sem um puto na carteira e passa por baixo da catraca no trem".
Mas é também gente que invade uma Bienal de São Paulo, depois volta pelas portas da frente como convidado, vai à Fundação Cartier, em Paris, onde Ivson expôs há três anos, vira tema de documentário, roteirista de filme, palestrante em escolas e acaba sendo escalada para a próxima Bienal de Berlim, para onde ele vai em abril.
Ivson foi de inimigo público, com dez processos de vandalismo nas costas, a queridinho de parte do mercado das artes e fetiche de curadores que tentam domesticar a fúria das ruas em ações controladas em museu e galeria.
Mas isso ele esconde no roteiro do filme, que deve custar R$ 8 milhões e teve os direitos comprados por um publicitário. Prefere exaltar os perigos da vida de pichador a narrar o glamour que conquistou. "Tem muita ação, aventura, o público entra em outro mundo, tipo 'Matrix'. É um olhar profundo da vida do pichador", diz ele. "E não vai ter um final feliz."
Esse final feliz aconteceu só na vida real, por enquanto. Ivson era o moleque rebelde que começou a pichar aos 12 anos em Barueri, na Grande São Paulo, e abandonou a escola na oitava série. Depois, virou porta-voz do "pixo" e celebridade da contracultura. Vive das vendas dos DVDs de suas ações e das palestras que dá em universidades.
POLÍTICA DO 'PIXO'
Até hoje, ele é pivô do debate sobre o "pixo" que se estende no meio das artes desde que ele e um grupo de amigos picharam o andar que ficou vazio, por falta de verbas, na Bienal de 2008. Na época, os curadores da mostra tacharam a ação de "destrutiva" e "autoritária", comparando o caso a um "arrastão".
Dois anos depois, Ivson foi convidado como artista para a 29ª Bienal e não se contentou em mostrar vídeos de ações. "Tinha de ter conflito para ficar real", diz ele. "Não é só estar na Bienal. Pichação é guerrilha." Mas nem a curadoria nem Nuno Ramos, vítima da ação, prestaram queixas contra o pichador.
Na pose e no discurso, Ivson ainda encara a arte como luta de classes. Não é uma corrente estética que se opõe a outra, mas um estilo de vida e origem social em fricção com um circuito elitista.
"Nossa estética está sendo assimilada", diz Ivson. "Mas a gente só vai fazer pichação autorizada, sem quebrar as regras, quando a gente não tiver mais vergonha na cara."