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março 7, 2012
Desacerte os ponteiros por Giselle Beiguelman, Revista Select
Texto de Giselle Beiguelman originalmente publicada na seção crítica / artemídia da Revista Select em 6 de março de 2012.
Anti-horário abre 2012 na Vermelho
Exposição de Gisela Motta e Leandro Lima desfaz obviedades para multiplicar sentidos
Anti-horário é o nome da exposição que a dupla Gisela Motta e Leandro Lima apresenta na Galeria Vermelho, em São Paulo de 06/03 a 05/04. Reúne um conjunto de obras recentes dos artistas, a maior parte delas inéditas.
A única já apresentada em São Paulo é Zero Hidrográfico, que esteve até bem pouco tempo no OK Center em Linz, na Áustria, e é até hoje, a única peça tridimensional criada pelos artistas.
“Apesar de ser um objeto, retoma o que sempre quisemos do vídeo: pensar o tempo em suspensão e também a repetição, o loop”, diz Leandro.
Espécie de mar de neon, de ondas remexidas por motores e dobradiças de gavetas que sobem e descem, é um híbrido de gambiolgia avançada com baixa tecnologia.
Esse tipo de estratégia, a combinação de elementos opostos em racionais exercícios de desprogramação de rotinas é um dos traços da produção de Lima e Motta.
Em várias obras, aparece na forma como os equipamentos são tomados para executar as mesmas funções para que foram projetados, porém não do modo como o fazem no cotidiano.
É o caso de Calar (2011), uma vídeo instalação duocanal feita com uma câmera termográfica.
Esse tipo de câmera mapeia, sem contato físico, os padrões térmicos da superfície de um objeto. É utilizada na indústria para teste de rigidez de partes de automóveis e até em aeroportos para investigar se os passageiros são saudáveis ou não.
Mas ao ser usada num jogo que revela a energia em forma de calor emitida pelos corpos, e que se transforma através do toque, ao mesmo tempo que sublinha exatamente o que já vinha prescrito no pacote pronto do dispositivo, o subverte de ponta a ponta.
Mas ao ser usada num jogo que revela a energia em forma de calor emitida pelos corpos, e que se transforma através do toque, ao mesmo tempo que sublinha exatamente o que já vinha prescrito no pacote pronto do dispositivo, o subverte de ponta a ponta.
Encantador, para dizer o mínimo, Anti-horário retrata a paisagem em torno das ruínas da antiga casa do faroleiro de Recife como se fosse o pano de fundo de um relógio de parede.
Nesse relógio, que é um verdadeiro poema de imagens, os adultos, o casal, são os ponteiros das horas e a criança, o dos minutos. A ruína parece andar para trás, os adultos parecem não sair do lugar e a criança, ligeira, mas sem andar retilíneo, vai, aos poucos ocupando o círculo e o centro da tela. Em torno de tudo, o movimento delicado das nuvens.
Entre as obras nunca antes expostas -- Xabori, DNA e Captcha--destaca-se a última série. Ela é feita com frases retiradas do clássico da ficção científica 2001, Uma Odisséia no Espaço de A. C. Clarke, filmado por Stanley Kubrick, que encena o célebre embate entre o supercomputador HAL 9000 e a humanidade que acaba por dominar.
São justamente as frases emblemáticas da vitória da HAL sobre o homem que aparecem na série dos artistas. Porém essas frases aparecem grafadas na tipologia do padrão captcha.
Esse padrão é utilizado por quase todos os sistemas on-line para verificar se é realmente um ser humano quem está preenchendo o cadastro e não um script malicioso. “Hoje em dia tornou-se comum você ter que provar o tempo todo para seu computador que você é humano”, comenta Leandro.
Em Captcha, as frases de HAL foram bordadas por máquinas industriais, simulando essa tipologia. Mas isso não sinaliza a vitória definitiva de HAL, até mesmo porque essa dicotomia perdeu o sentido. “O que importa é qual é a distinção entre as coisas – água, bordado, DNA -- e como isso se torna vivo”, pontua Gisela.
Hora de desacertar os ponteiros e se abrir às ambiguidades.
Saiba mais sobre a exposição na agenda de eventos.