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março 5, 2012
Para onde vai a crítica de arte? por Suzana Velasco, Blog Prosa Online O Globo
Para onde vai a crítica de arte?
Texto de Suzana Velasco originalmente publicada no blog Prosa Online no O Globo Blogs em 3 de março de 2012.
Entre cifras em alta e instituições fracas, críticos debatem o lugar do pensamento sobre a produção artística nacional
A pergunta, lembra a crítica de arte Glória Ferreira, já era feita por Charles Baudelaire no século XIX: para que serve a crítica? Assim como as respostas a ela, essa é uma pergunta que não tem prazo de validade, mas parece emergir com mais força em alguns momentos. Em tempos em que a arte brasileira está nos holofotes de bienais, feiras e leilões de arte, e em que se falar em boom internacional da nossa produção artística já é senso comum, ela se faz premente mais uma vez.
Pensar o lugar da crítica neste momento em que instituições culturais buscam se adequar às demandas do mercado sem nem ter bem se consolidado foi uma das motivações do crítico de arte Sérgio Bruno Martins ao editar um número especial da revista inglesa “Third Text” dedicado à arte brasileira. Ela acaba de ser lançada na Inglaterra pela Routledge, com artigos de brasileiros, ingleses e americanos, e terá uma versão brasileira este ano, em parceria com a editora Azougue.
No primeiro número da “Third Text”, em 1987, o crítico britânico Guy Brett assinou um artigo dedicado a Lygia Clark. Vinte cinco anos depois, a obra da artista vale milhões de dólares, e Lygia se tornou símbolo da valorização da nossa arte lá fora — tanto nas cifras quanto na qualidade. São dois atributos que frequentemente se confundem, mas nem sempre se sabe por quê. Para Sérgio Bruno Martins, a crítica é o lugar para que haja essa distinção, e se pensem os porquês. É o que ele pretende com a edição da revista dedicada à arte brasileira.
— A ideia é refletir sobre como reter uma carga crítica da arte brasileira em vez de simplesmente se tornar um novo membro de um clube em que as regras já estão prontas. Há o risco de ser vítima do sucesso, de uma pressão para que as histórias da arte se conformem às narrativas mais bem estabelecidas. A revista tem uma certa intenção de mostrar a complexidade ou a irredutibilidade dessas narrativas mais fáceis — afirma Martins, que também assina um artigo na edição, sobre a teoria do não objeto.
O título da “Third Text” dedicada ao Brasil, “Bursting on the scene”, foi retirado de um artigo de Guy Brett de 1989, em que ele pensava sobre uma possibilidade de “irromper na cena” alternativa ao fenômeno do boom. Posicionar-se em relação ao mercado e a esse boom contemporâneo, no entanto, não é o tema da publicação, mas um ponto de partida para se pensar no próprio papel da crítica, uma motivação para buscar novas narrativas sobre a arte brasileira, de recortes pouco abordados a assuntos que se tornaram senso comum de tão repetidos. Sobre esse último caso, o crítico dá o exemplo de Hélio Oiticica — que, ao lado de Lygia, forma o casal mais citado da arte nacional. Foi por meio de Oiticica que Martins, mestre e doutor em história da arte pela University College de Londres, chegou à “Third Text”. Ele publicou um artigo sobre o artista na revista em 2010, sendo convidado para editar seu primeiro número dedicado ao Brasil.
— Hélio Oiticica é um artista canônico, mas paradoxalmente muito mal conhecido. Ele surge na cena internacional nos anos 1990, na mesma década da estética relacional, que em grande medida legitima sua poética. Mas existe um antagonismo na obra do Hélio que essa estética harmoniosa não tem — sustenta. — No Brasil, falta um pouco a crítica desvinculada do meio curatorial. Um texto de catálogo raramente vai dar lugar para o dissenso. Corre-se o risco de os objetos serem engolidos pela máquina crítica lá fora.