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fevereiro 16, 2012
A arte que sai das ruas (e das paredes da galeria) por Adriana Martins, Diário do Nordeste
A arte que sai das ruas (e das paredes da galeria)
Matéria de Adriana Martins originalmente publicada no caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 16 de fevereiro de 2012.
Nova exposição do Coletivo Monstra traz quadros com temas polêmicos e propõe reflexão sobre a arte
Em uma galeria de arte, determinado quadro lhe chama atenção. Você paga por ele, pega a obra, põe debaixo do braço e leva para casa. No dia seguinte, precisa explicar às visitas o que a imagem de uma mulher devorando baratas faz na sua parede.
Certamente, essa cena passou pela cabeça dos integrantes do Coletivo Monstra, que organizaram a exposição "13 obras que você não colocaria na sala da sua casa". A abertura acontece hoje, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB). Com título autoexplicativo, a mostra reúne uma série de quadros com motivos polêmicos - além do inseto que virou almoço, tem criança com lábio leporino, frases desestimulantes e outros elementos peculiares.
Simultaneamente, o evento também ganha as ruas, em uma intervenção iniciada há duas semanas. Nessa etapa, em torno de 100 quadros são alocados em casas abandonadas ou demolidas, terrenos baldios e outros pontos chamados "cegos" ou "invisíveis" pelos artistas do Monstra. As obras ficam à disposição de quem enxergá-las. Passou, viu, levou.
A intenção do grupo é discutir o tipo de produção artística considerada "aceitável", assimilada e aprovada pela população, e fazer com que o cidadão repense seus conceitos sobre a imagem ao ter a opção de adquiro-la no suporte de um quadro - objeto instituído universalmente como obra de arte.
"O próprio título diz, não são coisas que normalmente se pendura na parede. E o sentido é justamente esse, questionar até que ponto a arte é assimilada como conteúdo de reflexão ou apenas decorativo", avalia Weaver Lima, integrante do Monstra. O coletivo é formado ainda por Franklin Stein, Ise Araújo, Jabson Rodrigues, Everton Silva, Mychel TC, Lui Duarte e Saulo Tiago.
Retornos
"13 obras" chega em Fortaleza depois de passar por Juazeiro do Norte (CE) e Teresina (PI), no segundo semestre de 2011. "A ideia surgiu em 2010, quando pensamos em criar uma exposição que mexesse com o espaço da rua. Pensamos e chegamos a esse formato, porque ele brinca com tudo, desde a lógica de aquisição de obras até o que exatamente é considerado arte", ressalta Weaver.
Nas temporadas de Juazeiro e Teresina, os quadros da exposição foram colocados em praças, pontos de ônibus e outros espaços de passagem. Em Fortaleza, os alvos foram locais abandonados. "A exposição já chegou conhecida em Fortaleza, as pessoas comentam pelas redes sociais. Então decidimos mudar os espaços nas ruas, para dificultar um pouco a localização das obras", esclarece Weaver Lima.
"Também é uma maneira de chamar atenção para esses espaços ´invisíveis´ na cidade, pelos quais muitas vezes passamos sem atenção. Em resquícios de casas demolidas, por exemplo, penduramos os quadros onde era a parede da sala", complementa.
O descobrimento das obras é monitorado pelos integrantes do Coletivo. "Registramos em vídeo o momento em que deixamos elas e, depois, vemos quais foram levadas pelo público. Atrás de cada quadro colocamos um aviso para a pessoa entrar em contato ou dizer onde mora, para sabermos onde a obra está", conta Weaver.
Na página do Monstra no Facebook (facebook.com/coletivomonstra) há um mapa do Googlemaps com a localização das obras. "Até agora, espalhamos entre 20 e 30 obras pela cidade. O objetivo é chegar até 100", revela o artista.
Segunda fase
O mesmo número deverá ser alcançado na segunda etapa, durante a exposição dos quadros no CCBNB. Nesse caso, os visitantes também podem levar obras para casa.
Segundo Weaver, a abordagem das pessoas que escolherem peças nem sempre será feita. "Pensamos em entrevistar algumas no dia da abertura, quando o fluxo de visitantes é maior. Mas apenas para perguntar porque escolheram determinado quadro. Vamos juntar esse registro em vídeo aos de outras etapas do processo. Por enquanto, faremos isso apenas com o objetivo de documentar, como material para o Coletivo", explica.
Assim como nas ruas, as obras serão repostas gradativamente no espaço do CCBNB, até se esgotarem ou até o fim da exposição. "Não vamos fazer isso em horários fixos, mas variados", avisa Weaver.
Ao todo, serão cerca de 200 quadros para as duas etapas do projeto em Fortaleza - 13 pinturas diferentes e suas respectivas reproduções. "Mesmo havendo quadros com o mesmo desenho, cada um é único, pois foi produzido manualmente, por meio de pintura, serigrafia, estêncil e até aplicações de bordado. Cada artista escolhe a técnica que preferir", esclarece Weaver.
Para produzir todas as obra, foram necessários em torno de dois meses. "Mas, por incrível que pareça, o que demora mesmo é decidir quais temas pintar e chegar a uma série de 13. Cada integrante do Coletivo vai para casa e elabora propostas, que são discutidas em reuniões. A partir daí fazemos as réplicas", conta Weaver.
Cada cidade ganhou um conjunto de imagens diferentes. "Vale ressaltar que não usamos imagens explícitas, apenas com o intuito de chocar. A ideia não é essa. Seria bobo", adverte Weaver. "Preferimos brincar com as possibilidades de estranhamento, as razões pelas quais determinadas imagens causam isso".
No caso da mulher comendo uma barata, o artista explica que os índios têm costume de comer insetos, assim como algumas populações orientais. "O que fazemos é trazer essa imagem para a cultura Ocidental. Ela causa nojo mais por conta das nossas convenções culturais", avalia.
Em outro quadro há uma criança com a deformação chamada lábio leporino. "É uma criança bonita, mas, como tem esse defeito, é como se deixasse de ser. Entre outros aspectos, aborda nossos preconceitos", comenta Weaver.
"Já o trabalho de Franklin Stein, por exemplo, é composto por imagens formadas por frases. A princípio, de longe, o conteúdo das frases não é percebido e as pessoas acham o jogo de composição interessante. Mas depois que veem escrito ´Desista de seus sonhos´ e ´Tudo lhe faltará´, muitas devolvem o quadro", brinca.
Influenciado pela estética da pop arte, o Monstra vem se destacando como um dos coletivos mais ativos do cenário artístico de Fortaleza. Entre os eventos que realizou estão a "Monstra Comix", no Sobrado Dr. José Lourenço, mostra internacional que reuniu mais de 40 artistas de histórias em quadrinhos independentes do mundo; a feira de arte "Monstra Feiramassa"; trabalhos na Casa Cor Ceará de 2009 e 2010; e "Purgatório Paraíso Inferno", também no Sobrado.