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fevereiro 13, 2012
Notícias de Paris por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Notícias de Paris
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 13 de fevereiro de 2012.
Livro reúne cartas trocadas entre o escultor Victor Brecheret e o escritor Mário de Andrade, ícones do modernismo brasileiro
De Paris, Victor Brecheret escreveu a Mário de Andrade elogiando os versos da "Pauliceia Desvairada" que o amigo enviara por correio, reclamando da penúria em que vivia, contando como uma de suas obras rachou no frio do inverno e ainda extasiado com o "turbilhão" daquele "pandemônio de cidade".
Era a década de 1920, os anos loucos da capital francesa, epicentro da produção artística global, e Brecheret era o bolsista do governo paulista que tentava modernizar seu traço convivendo com artistas como Brancusi e Léger e o arquiteto Le Corbusier.
Essa correspondência breve e ao mesmo tempo intensa entre duas figuras centrais do modernismo brasileiro está agora num livro editado no marco dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922.
Em "Victor Brecheret e a Escola de Paris", Daisy Peccinini narra o triunfo que o escultor -nascido em Farnese, na Itália, e morto aos 61 em São Paulo, em 1955- atingiu na capital francesa.
Ali, Brecheret foi parar num ateliê perto do cemitério de Montparnasse, então uma zona pobre e periférica de Paris. Um crítico que visitou o jovem artista chamou de "tétrico" o endereço onde ele se trancava. "Sem repouso", como frisou em carta a Mário de Andrade, para fazer suas esculturas.
VITÓRIA
Num português sofrível, Brecheret contava ao escritor que andava "sempre trabalhando". "Estou classificado aqui em Paris em primeira linha, tendo tido visitas de muitas pessoas notáveis", escreveu o artista em 1924.
Isso foi depois da carta eufórica que mandou um ano antes, começando com "vitória! vitória!", ao narrar o prêmio que venceu no Salão de Outono de 1923 com a obra "O Sepultamento de Cristo".
"Era um grupo de mulheres em pé e a Virgem sentada, segurando sobre as pernas a cabeça e parte do tronco de Jesus", descreve Peccinini. "Ele instalou essa obra numa mureta da escadaria do Grand Palais, numa adequação da escultura à arquitetura, uma síntese das artes."
Nesse ponto, por mais que a bolsa em Paris tivesse como foco um aprimoramento acadêmico do artista, era inevitável que os brasileiros que se aventuravam por Paris sofressem influência das vanguardas, como o "esprit nouveau", propalado por Le Corbusier e que está por trás de vasta produção de Brecheret.
Foi em Paris que o escultor suavizou o traço, chegando às formas límpidas que aparecem no monumento às Bandeiras e outras de suas obras clássicas. No lugar da anatomia real e de uma organicidade às vezes grotesca, Brecheret preferiu formas depuradas, prontas para um embate plástico com a luz.
Brancusi, que o artista conheceu em Paris, é influência clara nessa simplicidade da forma. Mas Brecheret também teve como motor certa aversão ao corpo de verdade.
CADÁVERES
Em Roma, onde estudou ainda adolescente, ele se horrorizava com as práticas sanguinárias do mestre Arturo Dazzi, que chegou a matar e dissecar um cavalo puro-sangue, presente do rei da Itália, para estudar como desenhar veias, artérias e músculos.
Brecheret, que também ajudava o artista a encontrar cadáveres de indigentes para dissecar, parece ter se traumatizado com a experiência.
"Ele vai geometrizando cada vez mais suas esculturas, em círculos, espirais, parábolas", analisa Peccinini. "Esse despojamento das formas, a limpidez do traço, vinha do grupo de Le Corbusier, que Brecheret frequentava."
Fernand Léger, mentor de Tarsila do Amaral, que então também vivia na capital francesa, tinha um ateliê perto do de Brecheret e foi influência decisiva em sua obra.
Talvez depois de ver as mulheres-engrenagem do artista francês, Brecheret também enveredou por "nus mecanicistas", nas palavras de Peccinini, peças como "Portadora de Perfume", de 1924, que serviram de embrião para o monumento às Bandeiras, que ele construiu no Ibirapuera entre os anos 30 e 50.
VICTOR BRECHERET E A ESCOLA DE PARIS
AUTOR Daisy Peccinini
EDITORA FM Editorial
QUANTO R$ 180 (228 págs.)
Pensionato esteve na gênese da Semana de 22
Na chamada Belle Époque paulistana, começo do século 20, o Pensionato Artístico de São Paulo estava na gênese do projeto modernista.
Liderado de forma paternalista pelo deputado, poeta e mecenas José de Freitas Valle, esse era um programa de concessão de bolsas de estudo na Europa para músicos e artistas -entre eles Victor Brecheret e Anita Malfatti, que foram estudar em Paris.
Essa história está documentada no livro de Marcia Camargos, "Entre a Vanguarda e a Tradição", que descerra os bastidores do projeto de modernização da produção plástica paulistana.
Ela narra a rotina nada luxuosa de Brecheret e Malfatti em Paris, que só comiam bem quando algum mecenas aportava na capital francesa.
Mesmo que Freitas Valle tenha aproveitado sua influência para lotar sua casa de obras desses artistas, o regulamento do pensionato fez com que muitas peças modernas entrassem para acervos públicos no país -entre elas, 12 esculturas de Brecheret que foram expostas na Semana de Arte Moderna de 1922.
"Mesmo que a intenção fosse enquadrar esses jovens em parâmetros acadêmicos, era impossível que eles não bebessem das novas inquietações estéticas em Paris."
Enquanto Brecheret sofria ao tentar digerir as vanguardas, Malfatti tentava retornar à ordem depois de ser devastada pela crítica de Monteiro Lobato a obras de sua primeira fase moderna.
Mas mesmo sua obra mais conservadora ganhava contornos vanguardistas na ebulição da capital francesa. "Havia esse convívio enriquecedor. Tem cartas do Mário para a Anita que perguntam o que ela estava vendo, quais eram as novas exposições", diz a autora. (SM)
ENTRE A VANGUARDA E A TRADIÇÃO
AUTOR Marcia Camargos
EDITORA Alameda
QUANTO R$ 65 (462 págs.)