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fevereiro 8, 2012
MAM do Rio abre mostra cancelada de Nan Goldin por Silas Martí, Folha de S. Paulo
MAM do Rio abre mostra cancelada de Nan Goldin
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 8 de fevereiro de 2012.
Imagens polêmicas de crianças nuas fizeram Oi Futuro desistir de fazer exposição em sua sede no Flamengo
Versão no MAM terá séries na íntegra: três grupos de slides e fotos de paisagens feitas pela artista norte-americana
No final de uma série de imagens de casais em cenas de amor e sexo, uma frase aparece projetada na tela dizendo que só um deles segue junto. Nan Goldin agradece aos amantes por deixar o amor entre eles ser flagrado.
Sua obra, agora em exposição no Museu de Arte Moderna do Rio, tenta estabelecer uma empatia por esses personagens anônimos ao escancarar sua intimidade -sexo explícito, uso de drogas e consequências da violência.
Isso tudo pesou na decisão do Oi Futuro de cancelar a mostra no ano passado, faltando pouco mais de um mês para a sua abertura, prevista para janeiro. Foi então que o MAM ofereceu encaixar a primeira individual da artista norte-americana no Rio na programação deste ano.
"Essas imagens são pautadas pelo afeto, não são apelativas, agressivas, nem infringem nenhum código", diz Luiz Camillo Osorio, curador do MAM. "É o mesmo olhar do Degas para as bailarinas no século 19. Ele não estava explorando o corpo delas."
Goldin, no caso, foi acusada de explorar a imagem de crianças nuas ou próximas a situações eróticas entre adultos. Dirigentes do Oi Futuro, que ainda patrocina a mostra, disseram que as imagens feriam seu projeto educativo e cancelaram o evento, desencadeando toda a controvérsia em torno da exposição.
Mas muitas dessas imagens -que integram a série mais célebre da artista, "Balada da Dependência Sexual"- foram expostas na Bienal de São Paulo há dois anos, sem causar problemas.
Em sua "Balada", Goldin retrata a si mesma e a seus amigos em festas épicas, de saltos pisando carpetes encardidos, roxos nos olhos, cabelos ensebados, injeções de heroína e sexo explícito, tendo até um ato de autofelação.
Mas ela não o faz para chocar. Sua trilha sonora -que vai de uma missa entoada por Björk aos berros de James Brown em "It's a Man's Man's World"- conduz o olhar por cenas de seu cotidiano desregrado. Goldin não glamouriza o submundo de drogas e sexo de Nova York.
Ela constrói uma espécie de antropologia afetiva com cenas chocantes diluídas num retrato que pende mais para a dor. Homens e mulheres espancados por seus amantes, o êxtase já erodido das drogas e imagens de fim de festa parecem gritar mais alto que os raros momentos de hedonismo que retrata.
"É diferente do olhar de um repórter", diz Lígia Canongia, curadora da mostra. "Não é um olhar observador, é um olhar envolvido, de cúmplice, como se a câmera pudesse tocar naquelas pessoas."
Mesmo na série em que retrata os travestis de Nova York, mais marcada pela teatralidade do que por aspectos documentais, Goldin estabelece essa cumplicidade com o retratado. Mostra a construção desses personagens, de perucas, seios fajutos, maquiagem pesada.
E também registra suas aparições nas boates da época, a metamorfose completa.