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novembro 30, 2011
Arte e política por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Arte e política
Matéria de de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste em 29 de novembro de 2011.
Curador da última Bienal Internacional de São Paulo, Moacir dos Anjos vem a Fortaleza para a abertura da exposição do artista polonês Artur Zmijewski. Ele também ministrará duas palestras sobre a relação entre a arte e a política
Independentemente daquilo que é visto como seu tema, a arte é política quando abre fissuras nos consensos que organizam a vida humana. Mas, por outro lado, poderá se tornar panfletária, a medida que nos quer doutrinar sobre algo que já sabemos. Mesmo que as intenções sejam justas, a obra, neste caso, não emancipa, apenas reafirma e resguarda o conhecimento existente sobre alguma coisa. Simpático a essa opinião, o curador e coordenador de Artes Visuais da Fundação Joaquim Nabuco, Moacir dos Anjos, tem se dedicado, ao longo da última década, ao desenvolvimento de projetos relacionados à temática arte e política, uma de suas favoritas.
Nesse contexto, entre os trabalhos mais importantes está a participação na 29ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, realizada em 2010. Além da organização do projeto Política da Arte, iniciado em 2009, na Fundação Joaquim Nabuco, do qual alguns resultados poderão ser conferidos a partir de amanhã, às 20 horas, com a abertura da exposição do artista polonês Artur Zmijewski, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), em Fortaleza.
A individual fica em cartaz até 31 de dezembro. Ela é composta por três vídeos, que estão entre os mais conhecidos do artista polonês. Eles nos mostram, com clareza, um traço importante de sua poética: dar visibilidade a situações e fatos que os consensos sociais transformam em tabus. "Acompanho o trabalho de Zmijewski há alguns anos e tive oportunidade de trabalhar com ele durante a preparação da Bienal de São Paulo. As tensas narrativas que constrói terminam por ativar, na memória do espectador, os conflitos e antagonismos que permeiam contextos importantes da história do século XX", conta Moacir.
Antes da abertura da exposição, Moacir dos Anjos também proferirá, amanhã e na quinta-feira, às 18h30, palestras sobre a relação entre arte e política. A mostra e as palestras com o curador pernambucano fazem parte do conjunto de ações idealizadas pela Fundação Joaquim Nabuco, trazidas à Fortaleza, pelo CCBNB. A parceria entre as duas instituições existe desde 2009.
Bienal de São Paulo
Ao lado de Agnaldo Farias, Moacir dos Anjos assinou a curadoria da última Bienal de São Paulo, que tinha como foco central de seu debate a relação entre arte e política, representada pelo verso do poema de Jorge de Lima: "Há sempre um copo de mar para um homem navegar".
"Trazer esse enfoque para a Bienal de São Paulo foi uma forma de organizar e de dar organicidade ao interesse que tenho sobre arte e política. Em um mundo cada vez mais cínico frente às desigualdades e cada vez mais descrente na possibilidade de mudança efetivas, acho crucial dar atenção a um tipo de produção artística que confronta normas, que cria desvios, que propõe que olhemos ou escutemos ou leiamos o que, muitas vezes, sequer tem nome". Segundo o curador, essa foi uma experiência cheia de paradoxos.
Por um lado, devido a enorme visibilidade, a Bienal é oportunidade única de afirmar o lugar da arte na discussão pública das coisas; por outro, a sua escala gigantesca impede, muitas vezes, que o contato com a arte se efetive de fato. "Há ainda uma vontade de que mais pessoas tenham acesso a ela; junto a necessidade de reconhecer que há um limite físico para uma visitação massiva, dada a natureza e a temporalidade de muitos dos trabalhos", completa.
O pernambucano também explica que a Bienal não se propôs a resolver esses paradoxos, mas que ambos ficaram bastante claros para os curadores.
"Tivemos cerca de 600 mil visitantes. Não é possível sujeitar as artes visuais aos critérios de público de um festival de rock ou de um programa televisivo", relembra, comentando a meta estabelecida pela presidência da Bienal de atrair 1 milhão de visitantes, mais como um desejo de inclusão do que como um ponto efetivo. "A experiência que as artes podem oferecer é de outra ordem, nem melhor nem pior, mas diferente, e exige critérios também distintos. Por outro lado, creio que a 29ª Bienal conseguiu pautar algumas questões que ainda não possuíam visibilidade bastante no País, principalmente a relação entre arte e política", avalia Moacir dos Anjos.
Arte contemporânea
Sobre a produção brasileira, Moacir acredita ser um conjunto muito heterogêneo. Ela faz uma original articulação entre uma tradição experimental, notadamente aquela que emerge nos anos 60 e que tem nas obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark sua face mais conhecida, e outras tradições de partes diversas do ponto, que o processo de globalização pôs à disposição das gerações mais recentes.
"A partir dessa rearticulação, esvaziam clichês de brasilidade e reinventam o que seria próprio do País. É uma das cenas artísticas mais dinâmicas e interessantes do mundo, e chama, cada vez mais, a atenção de curadores e colecionadores de outros países", revela.
No entanto, ele alerta: "o risco é se deixar capturar pelo mercado como fórmula rígida, o que põe diante dos artistas o desafio de confrontarem, continuamente, qualquer desejo de enquadramento do que fazem em modelos de explicação redutores".
Quanto a novíssima produção cearense, o curador confessa não ter acompanhado como deveria, por absoluta falta de oportunidade, mas conhece bem alguns artistas, com quem já trabalhou em exposições passadas ou escreveu textos críticos sobre suas obras. "Nesse universo restrito, posso citar, entre os que têm trajetória mais longa e estabelecida, o Eduardo Frota. Entre os mais jovens, Waléria Américo, Yuri Firmeza, Victor César, Milena Travassos, entre vários outros. Em todo caso, as artes visuais e o cinema feitos no Ceará me interessam bastante, e fico muito feliz quando posso vir até aqui e reduzir um pouco minha ignorância sobre esse universo tão rico".
Fique por dentro
Artur Zmijewski
Nasceu em 1966, em Varsóvia, Polônia, onde vive até hoje. Em diversos trabalhos feitos no início de sua carreira, o artista expôs a vida de pessoas com deficiências físicas crônicas ou com doenças incuráveis, concedendo voz e imagem àqueles cuja presença pública causa inequívoco desconforto aos supostamente sãos. Também busca discutir em vários de seus vídeos, por meio das tensas e críticas narrativas que constrói, contextos políticos e históricos permeados por conflitos abertos ou por uma série de antagonismos.
MAIS INFORMAÇÕES
Abertura da exposição de Acervo da Fundação Joaquim Nabuco, com obras do artista polonês Artur Zmijewski. Amanhã, às 20 horas, no CCBNB-Fortaleza (Rua Floriano Peixoto, 941 - Centro). Gratuita. Palestras com o curador Moacir dos Anjos, amanhã e quinta-feira, sempre às 18h30. Contato: (85) 3464.3108