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novembro 21, 2011
Jac Leirner expõe resíduos do jet set em retrospectiva por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Jac Leirner expõe resíduos do jet set em retrospectiva
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de novembro de 2011.
Mostra na Estação Pinacoteca celebra três décadas de carreira da artista
Colecionando cinzeiros de avião, sacolas de grifes e museus, Leirner faz crítica ácida à ideia de artista globalizado
Jac Leirner criou pulmões de celofane, daquele de embrulhar maços de cigarro. Empilhados e presos à parede, são pedaços de plástico quase invisíveis diante de milhares de cédulas de dinheiro que serpenteiam pelo chão e guardanapos hasteados como bandeiras num varal.
Todo o volume na obra dessa artista se constrói de restos banais, dejetos conspurcados do jet set, como talheres, passagens e cinzeiros de avião, e cartões de visita de figurões das artes visuais.
Na retrospectiva que abre hoje na Estação Pinacoteca, sua primeira em São Paulo, Leirner expõe todo um arsenal de tralha garimpada com perícia arqueológica em suas três décadas de carreira.
"São quantidades de materiais com potencial plástico", diz Leirner. "Meu trabalho é dar um corpo para o que não tem, um lugar terminal para as coisas espalhadas."
Mas não qualquer coisa. Desde os anos 80, Leirner, que cresceu no meio das obras construtivistas da coleção do pai, Adolpho Leirner, arquiteta uma crítica ácida à noção de artista globalizado sem esquecer essa herança ortogonal dos concretistas.
Usando cobertores de avião, sacolas de compras, adesivos, etiquetas e notas de dinheiro, a artista cria mosaicos cromáticos em escalas minúscula e gigantesca.
"Dependendo de onde você olha, o dinheiro parece uma aquarela", diz Moacir dos Anjos, curador da mostra. "São interesses concorrentes, as coisas são reapresentadas, ressignificadas."
Desse jeito, etiquetas de preços dos cigarros que Leirner fumou em tempos de inflação, com valores ascendentes, viram um painel branco, quase um monocromo minimalista, quando visto à distância. De perto, viram retrato pontual de um momento econômico delicado.
"Mas não é sobre economia ou sobre tabagismo", diz Leirner. "É o próprio tabagismo, é o próprio dinheiro, é a presença do mundo. Não quero lidar com a primeira pessoa, mas eu fumei os cigarros, furtei os cinzeiros, mas tento me abster da primeira pessoa." Nesse ponto, Leirner descarta qualquer vontade autobiográfica em sua obra e privilegia seu caráter de crônica dos tempos, amontoados frágeis, guardados como indícios de quando ser artista passou a ser também questão de traquejo num mundo de negócios e finanças.
"É imprimir valor onde não existe", diz Leirner. "Esses maços de cigarro viram joia, escultura. Essas pessoas nos cartões de visita vão estar mortas e logo mais ninguém vai saber quem elas foram."
Não importa. Leirner só lembra que na poesia "a primeira pessoa é um erro". "Aqui o assunto é linguagem, não uma situação particular, só a linguagem e a poética."