|
novembro 3, 2011
Realidade transcendida por Adriana Martins, Diário do Nordeste
Realidade transcendida
Matéria de Adriana Martins originalmente publicada no caderno Artes Visuais do Diário do Nordeste em 3 de novembro de 2011.
Em sua segunda exposição individual, o fotógrafo Rodrigo Frota dialoga com a pintura por meio de imagens que priorizam construções estéticas
Na segunda metade do século XX, quando a fotografia, o vídeo, a pintura e outras linguagens visuais se mesclam irreversivelmente, as tradicionais categorias artísticas às quais eram atribuídas precisaram ser reconfiguradas.
É a partir dessa observação que o artista plástico e curador do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (MAC), José Guedes, situa a exposição "Pictoriais", do fotógrafo cearense Rodrigo Frota. A abertura acontece hoje, às 19 horas, no MAC.
Envolvido com a fotografia desde os 15 anos, Rodrigo, hoje com 26, tem uma longa trajetória no setor. "Pictoriais" é sua segunda exposição individual (em 2009, ele realizou "Fragmentos de Viagem", também no MAC, de teor mais documental), e diferencia-se de trabalhos anteriores pela proposta de desconstrução das linguagens fotográfica e da pintura.
Para além de figuras humanas, paisagens ou ambientes, as 29 fotografias que compõem a exposição desdobram-se em formas, cores e volumes cujos resultados são composições aproximadas do abstrato.
"As imagens foram feitas em diferentes países, como Portugal, Peru, Marrocos e Myanmar. Mas, não quis mostrar o lugar ou mesmo o assunto das cenas. A ideia era desconstruí-los, a partir de um olhar pictórico", explica Rodrigo Frota. "Por isso, sequer coloquei os nomes dos países ou identifiquei o objeto fotografado na exposição. Quero que o espectador viaje nas imagens", complementa.
Segundo Guedes, as fotografias foram selecionadas do vasto arquivo do artista, sob a orientação de que o assunto fosse menos importante do que a estética. "São praticamente abstrações da realidade. Rodrigo resolve muito bem aspectos como cor, enquadramento e luz", elogia o curador. "Afinal, hoje uma das maneiras de se fazer pintura é com a fotografia".
Entre as imagens de "Pictoriais" está a de um trabalhador de uma fábrica de tingimento de tecido, no Marrocos. As cores muito vivas e o movimento desfocado dos fios conferiram um resultado inesperado.
"Estava meio escuro, então comecei a trabalhar com a velocidade lenta do obturador. O homem puxava o pano de dentro de uma centrífuga e jogava para cima. Tentei algumas vezes até que deu certo. Os fios ficaram parecendo um monstro que sai da centrífuga, ainda mais com o braço de uma pessoa que estava atrás da cena. Só fui notar que ele apareceu depois", lembra Rodrigo.
A exposição apresenta ainda uma vídeo-instalação, produzida em parceria com o colega fotógrafo Aroldo Sabóia. "São texturas e sons sobrepostos, remasterizados a partir de imagens e samplers colhidos na internet, além de gravações em diferentes ambientes", explica Rodrigo. "O resultado mostra o indivíduo inserido em seu cotidiano na cidade, e a sensação de torpor que a rotina pode causar", finaliza.
Carreira
O apreço pela arte vem desde quando costumava acompanhar os pais em visitas a museus. Os estudos em fotografia começaram quando Rodrigo foi morar na Suíça, onde viveu dos 15 aos 18 anos.
"Meu pai tinha uma câmera profissional que eu adorava, mas não deixava mexer. Quando fui morar no exterior, precisei de um equipamento. Insisti tanto que ele acabou me cedendo", recorda, rindo.
Em Rolle, pequena cidade entre Lausanne e Genebra, Rodrigo cursou o segundo grau no Institut Le Rosey. Estudou também artes (na área de técnicas artísticas e história da arte) e fotografia (extensão), simultaneamente aos estudos.
"Fiz parte do clube de fotografia do colégio. Quando retornei a Fortaleza, estava interessado em cinema, mas como ainda era algo difícil, investi na fotografia", lembra o cearense.
Aqui, bacharelou-se em Publicidade e Propaganda pela Universidade de Fortaleza, onde trabalhou como fotógrafo do setor de marketing durante dois anos (primeiro como assistente, depois no posto oficial). O olhar atento necessário ao fotógrafo foi aprimorado com cursos extras e muitas viagens. "Nelas sempre procurava registrar a cultura e o cotidiano dos povos", ressalta Rodrigo Frota. Ele já teve trabalhos premiados e também publicados em importantes jornais do País, como o Diário do Nordeste e O Globo, na revista de cultura Bravo!.
No começo deste ano, Rodrigo Frota chegou a acompanhar o renomado fotógrafo Steve McCurry, da revista National Geographic (famoso pela imagem da menina afegã que foi capa em uma das edições célebres) em uma expedição a Myanmar (no sul da Ásia).
"Foi uma viagem em grupo, com profissionais de vários países. Conheci McCurry em um workshop dele. Conversamos muito e ele acabou me chamando para a expedição", brinca Rodrigo. "Normalmente esses grupos de fotógrafos visitam lugares nem um pouco turísticos, para os quais é difícil viajar sozinho. Por isso as pessoas se reúnem, é mais fácil e seguro", explica o cearense.
"Em Myanmar, exploramos espaços cotidianos das pessoas, como mercados, fábricas. Dividíamo-nos em pequenos grupos e cada um ia para determinado lugar. À noite, todos se juntavam para analisar o material", recorda.
O resultado foi tão positivo que Rodrigo já recebeu convite para outra expedição, em 2012, dessa vez na Índia. "Talvez McCurry vá, mas ainda não sei", conta o artista.
Exposição - "Pictoriais", de Rodrigo Frota. Abertura hoje, às 19 horas, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Gratuito. Em cartaz até 11 de dezembro. Horários de visitação: de terça a quinta, das 9 horas às 19 horas (acesso até 18h30) e de sexta a domingo, das 18 horas às 21 horas (acesso até 20h30). Contato: (85) 3488.8600