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outubro 31, 2011
Questões da pintura por Ana Cecília Soares, Diario do Nordeste
Questões da pintura
Entrevista de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do em 30 de outubro de 2011.
Curadora Daniela Labra discorre sobre as questões da pintura contemporânea. Ela acredita que, hoje, há espaço para as mais diferentes vertentes da pintura. A produção pictórica deve acompanhar o leque de possibilidades que a arte contemporânea oferece, sejam elas formais ou temáticas
Gostaria que você falasse sobre esses "altos e baixos" da produção pictórica.
A "Morte da Pintura" é um termo que tem a ver com a decretação do possível esgotamento dessa prática frente às experimentações formais e conceituais possibilitadas por diversas mudanças do entendimento acerca da arte, que são propostas por artistas e pensadores no início do século XX. Desde então a pintura, até hoje compreendida como obra de arte ´a priori´ (quando vemos uma pintura, sabemos que "é" uma obra de arte, independente de suas qualidade plásticas, estéticas), tem sido tratada com amor e ódio por artistas que insistiram na pesquisa pictórica, e por outros que simplesmente chutaram a velha prática consagrada desde o renascimento como plataforma nobre para a representação de cenas mitológicas, bíblicas, épicas, políticas, aristocráticas, entre outras. Se examinarmos rapidamente os períodos da arte nos últimos 100 anos, iremos constatar que os "altos e baixos" da pintura também estiveram de acordo com oscilações do sistema da arte moderno, o qual vai se complexificando ao longo do século XX. Podemos associar a dita morte da pintura a momentos em que o experimentalismo com outros suportes e as discussões acerca da representação na arte estiveram mais prementes.
Qual o lugar da pintura na arte contemporânea?
De certo modo, acho que estamos vivendo esse momento de retomada da produção pictórica após muitas experimentações formais e temáticas nos anos 90 (que veio após o boom da pintura pop e pós-expressionista dos anos 1980). O mercado de arte e a arte compreendida como "commoditie" é algo que está muito forte atualmente, e me parece que a pintura nesse contexto, sendo ela uma forma de arte mais convencional, ganha destaque nas galerias. Por outro lado, é interessante como artistas contemporâneos traduzem sua visão de mundo nesse suporte tão clássico. Ao mesmo tempo, a pintura se apresenta como mero suporte de transposição de imagens, de grafismos sobre tela, que nada tem a ver com uma discussão sobre a própria pintura, posto que o formato é "vendável". E o mercado está cheio disso, especialmente quando se trata de algo aparentemente despretensioso de conceito, como é o caso da produção de ´street art´ em geral, que sai da rua e vai para uma tela com chassi do mesmo modo que iria parar numa camiseta. É claro que há artistas excelentes que saíram das ruas, mas o trabalho deles se torna realmente interessante, como pintura, quando se dão conta que estão fazendo pintura - com toda a carga histórica desse suporte - e não apenas grafismos sobre tela.
A pintura contemporânea surge como contraponto em relação à arte moderna ou como resíduo de uma continuidade?
A pintura contemporânea, como prática artística, tende a ser colocada no mesmo patamar da videoarte, da fotografia, dos objetos, entre outros. Não do ponto de vista formal, claro, mas do ponto de vista de que não há mais uma hierarquização de práticas, de acordo com a crítica. Já para o mercado, a pintura e a escultura únicas e originais, sempre serão mais valiosas do que um desenho em papel ou uma fotografia com tiragem limitada.
Será que a pintura contemporânea esta fincada no presente sem ter projetos futuros?
O futuro da pintura vai depender da trajetória de cada artista como individuo. Não há uma "verdadeira" pintura nem um "movimento pictórico" contemporâneo. É o artista que deve cuidar de sua trajetória, independente de sua pesquisa artística, e disso vai depender o futuro de sua obra. Se ela perdurará ou não.
Em 2009, você desenvolveu a curadoria da exposição "Investigações Pictóricas". Como foi essa experiência? De que forma você desenvolveu o diálogo com as obras expostas?
Desde 2003, desenvolvo projetos relacionados a formatos menos convencionais como intervenções urbanas, performances e obras interdisciplinares, e discutir pintura numa exposição foi a possibilidade de pesquisar um pouco mais o assunto. A exposição ocorreu no MAC de Niterói, sob a direção de Guilherme Bueno, e reuniu sete artistas. O foco estava na diversidade temática e formal das obras, e pretendeu um recorte despretensioso da produção atual e das pesquisas possíveis. Assim, tínhamos obras quase escultóricas, em suportes tridimensionais, e também grandes pinturas que se aproximavam mais de uma noção clássica de pintura figurativa.