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outubro 3, 2011
Pintor retrata artistas pernambucanos como criminosos em exposição no Recife por Júlio Cavani, Diário de Pernambuco
Pintor retrata artistas pernambucanos como criminosos em exposição no Recife
Matéria de Júlio Cavani originalmente publicada no jornal Diário de Pernambuco em 3 de outubro de 2011.
Na exposição Capturados: retratos de 25 artistas pernambucanos, o pintor Roberto Ploeg mostra colegas como Gil Vicente, José Cláudio, Tereza Costa Rêgo, Gilvan Samico e Badida, entre outros, retratados como criminosos que acabaram de ser presos. As pinturas os apresentam com rostos baixos, como quem foge da câmera. Uma metáfora da prisão que é o retrato e da relação de fuga-aparição dos artistas com o público.
A exposição fica em cartaz até 29 de outubro na Galeria Mariana Moura (Rua Professor José Brandão, 163, Boa Viagem). Visitação: De segunda à sexta-feira, das 10h às 19h; sábado, das 10h às 13h Informações: 3465-5602
Leia o texto de apresentação da mostra:
Capturados
Os padrões visuais do fotojornalismo policial são traduzidos para a linguagem da pintura nesta série de retratos de artistas contemporâneos pernambucanos. As definições de enquadramento e iluminação são baseadas em fotos de criminosos que acabaram de ser levados para as delegacias. A gestualidade corporal expressada pelos "modelos" vem das "poses" dos indivíduos recém-encarceirados. O vocabulário espacial da foto de jornal (espontânea, imediata, instantânea, quase mecânica) transforma-se em uma premissa estética a ser adotada por Roberto Ploeg ao pintar seus semelhantes.
Esconder o rosto, evitar olhar para a câmera, cobrir a cabeça com a camiseta e ocultar as mãos algemadas são reações comuns de bandidos que não querem ser reconhecidos nas páginas dos jornais. Para artistas, revelar e tornar pública a identidade pessoal pode ser algo incômodo, supérfluo ou, pelo contrário, até mesmo essencial. A obra sempre é mais importante que o criador, que se sentirá livre para se esconder atrás (ou fora) dela, a não ser nos trabalhos de natureza performáfica ou explicitamente autorreferente (como os autorretratos). O verbo separa o sujeito do objeto, mas ao mesmo tempo cria uma ligação sintática entre os dois.
Apesar de Pernambuco ter atravessado duas décadas como o estado com maior número relativo de homicídios no Brasil (estatística digna de parâmetros internacionais, dado o grau de violência urbana do país), foram poucos os artistas locais a abordarem o assunto em suas produções poéticas. Na série de pinturas Ecce Homo (2007), por meio de telas inspiradas em reproduções de fotos policiais jornalísticas, Ploeg registrou o sentimento onipresente de insegurança da população. A experiência daquela época serviu de pesquisa prévia para os procedimentos cênicos agora simulados. No lugar de pintar homens presos, porém, ele passa a simbolicamente incriminar a própria comunidade artística de que faz parte e assim se projeta na questão.
Com influencia visível e assumida de David Hockney, artista inglês que equipara a fotografia casual à pintura em trabalhos como os Polaroid Portraits, Roberto explicita marcas fotográficas (luzes de flash e sombras recortadas) em suas telas. Antes de pintar os artistas, ele os fotografou e usou as fotos como referência direta para a confecção dos quadros. A câmera, portanto, tem papel determinante sobre o resultado final.
Os retratados são usados, de certa forma, como atores. Há uma direção por parte daquele que os pinta (e os fotografa). A naturalidade está em suas personalidades físicas, traços faciais e estruturas anatômicas, mas não em suas posturas dramáticas no momento da captura. A ficção se impõe sobre o realismo.
A referência ao universo policial não deve, apesar de tudo, quebrar algumas intenções celebrativas evidenciadas pelas obras, pois há um indisfarçável desejo de confraternização por parte de Ploeg, que aceita o risco de brincar com coisa séria. A própria intimidade necessária para a realização de tais pinturas aponta para a amizade existente entre os envolvidos no processo. O ato de prender pode estar simplesmente no gesto de retratar, aprisionar dentro de um retrato, enquadrar.
Todas essas tensões se dilatam em maior ou menor grau de acordo com cada artista apresentado. Os temperamentos pessoais interferem sobre a pertinência simbólica do retrato e a própria obra artística de cada um pode repercutir sobre a exposição dos rostos e corpos. Gil Vicente e Carlos Melo já retrataram a si mesmos em suas obras, seja por desenhos ou fotografias. Ao transportá-los para suas pinturas, Ploeg cria uma consequente continuação daqueles autorretratos ou performances públicas. Reynaldo Fonseca e Gilvan Samico, apesar de consagrados, não costumam mostrar a face na mídia. Assim, evitar olhar para a câmera do pintor seria um comportamento mais comparável ao de uma celebridade resistente diante de um paparazzi do que ao de um criminoso comum. Há casos em que a imagem midiática da pessoa em questão é desconstruída: Thina Cunha, mulher elegante, que sempre figurou em colunas sociais, é recontextualizada em trajes domésticos informais; Tereza Costa Rego, bastante evidenciada publicamente e aberta às lentes de todos, vira o rosto, de óculos escuros, e usa as mãos para tentar bloquear a abordagem do fictício fotógrafo.
Ploeg é um pintor no sentido consagrado do ofício. Figurativo, perfeccionista, narrativo. Sua missão essencial é representar o mundo por meio da aplicação equilibrada de tinta sobre uma superfície. O interesse pelo retrato, mais do que um exercício de gênero, vem de sua formação humanista herdada dos estudos da Teologia da Libertação, que o trouxeram da Holanda ao Brasil há 32 anos. Retratar (pintar o outro) é estar disposto a passar horas debruçado sobre o corpo e o espírito de alguém. Se os personagens da exposição são artistas de Pernambuco, é porque são esses que estão ao seu redor, sem regionalismos. Caso ele vivesse em outra cidade ou país, seu interesse recairia sobre os colegas daquela suposta situação geográfica. Não há como assegurar, contudo, que ele encontraria tanto acolhimento afetivo em outra paisagem.