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setembro 15, 2011
Robert Polidori e a beleza entre os escombros por Antonio Gonçalves Filho, O Estado de S. Paulo
Robert Polidori e a beleza entre os escombros
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 14 de setembro de 2011.
Principal nome entre convidados da SP-Arte/Foto fala da sua atração pela ruína urbana
A cada ano que passa, a SP-Arte/Foto ocupa um espaço cada vez maior no nono andar do Shopping Iguatemi. Na quinta edição da mostra, que será aberta nesta quarta-feira, às 16 horas, para convidados (e quinta-feira para o público), mais dez galerias foram incorporadas às 15 que normalmente participam do evento, organizado pela empresária Fernanda Feitosa. A expansão é facilmente explicável por meio dos números: em 2010 as vendas cresceram, atingindo algo em torno de R$ 2 milhões (180 fotos vendidas). "Das novas galerias responsáveis pela expansão do espaço da mostra, nove são novas", revela, destacando entre elas duas estrangeiras, a espanhola Senda, de Barcelona, e a americana 1500 Gallery, de Nova York, que traz para a mostra fotos do canadense Robert Polidori, nome imediatamente associado à catástrofe provocada pelo furacão Katrina, que arrasou a cidade de New Orleans, nos EUA, em agosto de 2005.
Polidori concedeu uma entrevista exclusiva, por telefone, ao Caderno 2, anunciando para 2013 (ou 2014) outra exposição individual no Brasil no Instituto Moreira Salles (a última foi realizada aqui há dois anos pelo mesmo IMS). Aos 60 anos, o fotógrafo já tem um número considerável de discípulos - entre eles o italiano Paolo Ventura, na mostra -, impressionados com suas imagens de casas abandonadas pelos moradores de New Orleans e de aposentos arrasados pelo desastre nuclear de Chernobyl, além das ruínas provocadas pela estagnação econômica de Cuba.
Para a mostra, porém, o fotógrafo não traz ruínas, mas imagens da interminável restauração do Palácio de Versalhes, que acompanha há quase 30 anos e parece longe do fim. "Na verdade, Versalhes está em reformas desde Luís XIV, porque cada sucessor usou o palácio como instrumento político, criando cenários espetaculares para impressionar estrangeiros", observa.
Você costuma associar as imagens de casas em ruínas a uma tentativa de registro histórico que leva em conta a presença espiritual daqueles que viveram nesses aposentos. Há de fato essa dimensão metafísica nesses cômodos, você que leu madame Blavatsky? Seus detratores dizem que as fotos de New Orleans ferem a ética por explorar a tragédia. O que diz disso?
Há de fato essa dimensão metafísica, mas ela tem pouco a ver com Blavatsky e mais com a questão do superego das pessoas que viveram nesses cômodos destruídos e que ainda guardam vestígios delas por meio de objetos com os quais tinham afinidade. A memória da paisagem devastada desses aposentos remete a dois filósofos em particular, Pitágoras e Giordano Bruno, o primeiro como mestre que obrigava os discípulos a memorizar aspectos de quartos vazios - os loci - e Bruno como criador de um sistema de memória que me interessa particularmente. Toda a controvérsia surgida por causa das fotos dos aposentos abandonados de New Orleans não faz o mínimo sentido. Não estetizei a miséria nem desafiei princípios éticos. É antiético ir a um funeral? Essas fotos são documentos históricos como qualquer outro, como um registro de guerra, por exemplo.
No entanto, há uma estranha beleza que emana dessas ruínas, sejam elas as da série Lower East Side de Nova York, que mostra aposentos invadidos após a morte de seus ocupantes, ou dos decadentes casarões de Havana com suas paredes descascadas.
Sim, mas não faço pintura nem cinema e muito menos foto de arquitetura. Parei de fazer filmes quando tomei consciência do que significavam esses aposentos, pois o cinema não consegue provocar o impacto da imagem estática de um cômodo devastado pelo tempo. Definitivamente, não estava tirando vantagem da situação em que se encontram os cubanos, mas acho que Fidel fez pouco para preservar a arquitetura de Havana, que parou no tempo, mais particularmente nos anos 1950. É uma visão incrível, porém provocada pelo imperativo econômico. É diferente dos aposentos do Lower East Side, em que as pessoas morriam nos apartamentos depois depredados por garotos. Não se trata de violar o habitat de ninguém. Não fiz isso nem em Chernobyl nem em New Orleans. Essas fotos de interiores constituem um registro histórico e ao mesmo tempo um réquiem pela catástrofe provocada pelo próprio homem. A cada ano vemos o nível da água aumentar por causa da poluição, da superprodução industrial.
Por falar nela, suas fotos da Índia, de 2007, integram uma série atípica cheia de pessoas e de poucas cenas interiores. Elas o impressionam mais do que antes?
O que me tocou na Índia foi como o arcaico e o moderno convivem. A massa de pessoas nas ruas me impressionou, há gente demais em todos os lugares e vemos que essa é uma situação insustentável, pois o desastre ambiental torna-se previsível num quadro de hiperconsumo de água e energia. A natureza da fotografia é provocar uma modificação instantânea na realidade. Quando você vê um quarto, ele não se move, tem um lado pictórico, uma integração da forma com a metáfora dos cômodos pitagóricos memorizados, o que não ocorre com pessoas em trânsito.
Na mostra SP-Arte/Foto são exibidas fotos da restauração do Palácio de Versalhes, que você acompanha desde 1984. Como você se interessou por ela?
Percebi que, por trás desses projetos de restauração, que vêm desde a época de Luís XIV, persiste uma tentativa de revisionismo histórico. Seus sucessores no trono logo perceberam que era possível usar Versalhes como demonstração de poder, promovendo mudanças permanentes. Interessava-me particularmente o retrato da sociedade francesa colado às paredes de Versalhes como uma espécie de superego coletivo destinado a impressionar e oprimir o olhar estrangeiro.
Há na mostra fotos de Paolo Ventura, que tem obsessão por interiores, e do brasileiro Rogério Canella, que fotografa casas em ruínas. Parecem ser seus discípulos. E seus mestres, quem são?
Conheço o trabalho de Ventura, mas não sei se ele se considera meu discípulo. Creio que os mais próximos são Yves Marchand e Romain Meffre, que fotografaram as ruínas de Detroit após o êxodo da população para os subúrbios provocado pela bancarrota econômica da cidade. Quanto aos meus mestres, Walker Evans permanece como minha referência maior.
Você continua pessimista em relação ao futuro?
Não sei se a palavra é pessimista. Corremos o risco de desaparecer por causa do modelo econômico que adotamos e que torna a situação insustentável. Mas a cultura brasileira parece ter um componente singular, que é essa relação sentimental como o mundo. Admiro também os mexicanos, que influenciaram muito a minha arte.