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setembro 2, 2011
Exposições e documentário revisitam trajetória de Nelson Leirner por Márcia Abos, O Globo
Exposições e documentário revisitam trajetória de Nelson Leirner
Matéria de Márcia Abos originalmente publicada no Caderno Cultura do jornal O Globo em 2 de setembro de 2011.
SÃO PAULO - A arte como hobby. Com a inédita "Um, nenhum e cem mil", que será apresentada ao público a partir de 6 de setembro na mostra "Nelson Leirner 2011 - 1961 = 50 anos" na Galeria de Arte do Sesi, em São Paulo, o artista paulistano dá um novo salto numa trajetória pontuada por controvérsias e inovações, desde a criação do icônico grupo Rex - idealizado com Wesley Duke Lee (1931-2010) e Geraldo de Barros (1923-1998), cuja tônica era a crítica bem-humorada e irreverente ao sistema de arte - até o debate suscitado pelo porco empalhado enviado ao Salão de Arte Moderna de Brasília em 1967. A exposição, um apanhado dos últimos 50 anos da carreira de Leirner, traz ainda outras 60 obras que mostram a constante luta do artista para desmistificar a arte.
- Há dez anos venho colecionando esses pequenos trabalhos. Ia dando para minha mulher e ela os guardava. Era algo que eu fazia independente da minha fábrica. Porque a arte hoje é uma fábrica, um produto. Fazia então da minha própria arte meu hobby. Mas o hobby terminou, por isso decide expor - explica Leirner, sobre "Um, nenhum e cem mil", coleção de mais de 2000 cartões postais de museus, saquinhos de vômito de avião, revistas, santinhos e convites de exposição que receberam intervenções, desenhos ou escritos do artista, ao longo dos últimos 10 anos.
Mas a tecnologia matou o hobby, assim como o consumo da arte como mercadoria esgotou qualquer possibilidade de provocação, acredita o artista de 79 anos.
Não chamo o que faço de arte, os outros é que chamam. Arte hoje se escreve com 'a' minúsculo
- Recebo convites de exposições por e-mail. Já interferi em todos os santos, a igreja quase não nomeia novos. Os postais de museus pararam no tempo, não contemplam novos artistas. Começou a faltar material para meu hobby. E agora não sei como continuar. Poderia simplesmente desenhar em cadernos, mas assim perco a comunicação que sempre tive com o objeto achado, a coisa mais duchampiana de meu processo - diz Leirner, que vendeu seu primeiro trabalho em 1991, após uma carreira de quase 40 anos movida exclusivamente pelo idealismo.
Junto com a mostra em São Paulo, chega aos cinemas nesta sexta-feira o documentário "Assim é, se assim lhe parece", de Carla Gallo, parte do projeto "Iconoclássicos" do Itaú Cultural, em cartaz com entrada franca até 29 de setembro nos cinemas Unibanco em São Paulo, Rio, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Santos. A documentarista acompanhou a rotina e o processo criativo de Leirner, mostrando a atualidade de suas provocações.
- Arte para mim era um problema visionário. Nunca imaginei que viveria disto, que seria meu negócio. Mas a sociedade entendeu que aniquilava o monstro que éramos nos consumindo. E o consumo limitou qualquer processo ideológico. Houve um tempo em que a discussão sobre a obra era mais importante do que a imagem. Hoje é o contrário. Volto para minha fábrica, o processo de galerias e exposições que garante meu sustento. Mas não chamo o que faço de arte, os outros é que chamam. Arte hoje se escreve com "a" minúsculo - lamenta Leirner, criticando a pasteurização que neutraliza a capacidade da arte de despertar a sociedade de seu estado de entorpecimento.
A trajetória de Leirner é também revisitada pela exposição "Beuys e bem além - ensinar como arte", que será aberta ao público em 12 de setembro no Instituto Tomei Ohtake, em São Paulo. Obras do artista alemão Joseph Beuys (1921-1986) dialogam com trabalhos de seis de seus mais destacados alunos. Assim como Leirner, cujas obras são apresentadas junto com criações de Caetano de Almeida, Leda Catunda, Dora Longo Bahia, Iran do Espírito Santo, Sérgio Romagnolo, Edgard de Souza e Laura Vinci, alunos do brasileiro, que lecionou arte por mais de 30 anos.
Sobre o momento de renovado interesse em sua obra, Leirner desmistifica: "é o processo do tempo".
- Na arte, você pára, você morre. Precisamos continuar, mas continuamos de uma maneira que não nos agrada. O artista hoje vive numa encruzilhada. Percebi que minha vida era mais divertida. Vivemos agora em guetos - conclui o paulistano radicado há mais de 16 anos no Rio.