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agosto 23, 2011
Pinceladas cearenses por Fábio Marques, Diário do Nordeste
Pinceladas cearenses
Matéria de Fábio Marques originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 19 de agosto de 2011.
A exposição "Diálogos", de Fernando França, será inaugurada amanhã, às 19h30, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, reunindo retratos de artistas plásticos cearenses e dando uma mostra da atual produção no Estado
Os retratos dos 23 artistas plásticos cearenses impressionam pela grandeza das obras e pelas dimensões das telas em si. Em cada quadro de 1,5 x 2 metros, um artista é retratado por Fernando França e o próprio figurado interfere na tela, imprimindo um pouco de sua arte à composição, em uma inusitada busca metalinguística por identidade.
As obras estarão reunidas na exposição "Diálogos", que será aberta amanhã, às 19h30, no Memorial da Cultura Cearense, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). Fazem parte do projeto os artistas Estrigas, Nice, Heloísa Juaçaba, Hélio Rôla, Zé Tarcísio, Descartes Gadelha, Ascal, Félix, José Mesquita, Aderson Medeiros, Alano, Roberto Galvão, Carlos Costa, Vando Figueiredo, Eduardo Eloy, Francisco Vidal Júnior, José Guedes, Cláudio César, Totonho Laprovitera, Mano Alencar, Francisco de Almeida, Hemeterio e o próprio Fernando.
Eles foram convidados para a abertura da exposição, que inclui ainda o lançamento de um livro com registros do processo criativo de cada quadro por meio de fotografias e um documentário.
As obras começaram a ser pintadas em 2006, com alguns hiatos entre a produção de um quadro e outro, consequências de uma proposta delicada que inclui o recorte dos 22 artistas e o convencimento de cada um em deixar-se ser tocado pela obra de Fernando. "Conversei com todos os envolvidos. Alguns não aceitaram de início, mas no fim todos participaram", lembra.
A ideia surgiu quando Fernando fazia uma residência artística na França, o que, segundo ele, deu-lhe o distanciamento necessário para perceber a realidade da produção de artes plásticas cearenses. "Percebi a qualidade e a diversidade de artistas que temos e que somos nós quem temos que valorizar essa produção, não esperar que alguém de fora faça. Eles fazem isso com seus artistas", defende.
Reverenciando os artistas da terra, a série é pautada de forma a abranger as diversas gerações de artistas em atividade no Estado e a diversidade de técnicas e estilos utilizadas. "Sempre tem quem fique de fora. A coisa do recorte é isso, não tem como abranger todo mundo. A ideia é fazer uma coisa representativa do momento da pintura hoje aqui", justifica, ainda, em referencia aos nomes que por ventura ficaram de fora.
Quadrinho
Traço marcante na obra de Fernando França, os elementos das histórias em quadrinhos são também aplicados nesta série como uma forma de ampliar as possibilidades da tela e abrindo espaço para a intervenção de cada artista. "Quando elementos dos quadrinhos são inseridos no retrato, dão um certo dinamismo. Aqui, o retratado expõe também a sua imagem e essa imagem constrói o retrato", reflete. Ele defende a importância dos quadrinhos para a arte ainda que seja uma expressão vinculada a cultura de massas. "Ainda leio, coleciono histórias em quadrinhos. Existem grandes artistas no mundo dos quadrinhos que geralmente quem trabalha com pintura desconhece". Fernando avalia que no atual momento as artes plásticas, em especial a pintura, têm voltado com força no mundo todo, sobretudo na linha mais figurativa. "Acho que essa série mostra que existe produção grande e significativa. Pessoas continuam pintando, mesmo com novas técnicas, novas formas de expressões", ilustra. O artista critica ainda uma tendência local a valorizar uma arte dita contemporânea, de formas abstratas, como única representante da produção atual.
"Existe, sobretudo, em espaços públicos a predominância de determinadas técnicas ou trabalho. Essa mostra expõe que há uma diversidade de linguagens. Mostra que, na contemporaneidade, tudo isso está inserido", argumenta. Todos os quadros foram pintados em óleo sobre tela, com um espaço para intervenção dos artistas retratados preparado para receber as técnicas de cada um. Entre elas, foram utilizadas, ainda, tinta acrílica, pastel, nanquim e carvão.
O livro
Cada artista foi convidado ao ateliê do anfitrião onde travavam um primeiro contato com o retrato e ali propunham sua intervenção. "Ele ficaram surpresos, até pela dimensão, porque a gente não é acostumado a se ver deste tamanho. Mas a maioria se reconheceu na tela e percebeu que eu tinha captado a personalidade de cada um", conta, destacando a natureza sublime da vivência que ele teve com cada artista, acompanhando seus processos criativos, aprendendo sobre suas técnicas e conversando com cada um.
Esse momentos foram registrados em fotografias reunidas em um livro que leva o mesmo nome da exposição, destacando um capítulo para cada artista onde é mostrado passo a passo da intervenção e o resultado final. O livro foi editado e impresso pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, contemplado no Prêmio J. Ribeiro de Publicação de Álbum/Livro de Arte, do I Prêmio Literário para Autor(a) Cearense, em 2010. Ele será vendido na exposição por R$ 80.
Projeto rendeu documentário feito por alunos da Unifor
Além do registro fotográfico publicado em livro e das obras em si, a exposição "Diálogos" traz à luz do público um documentário elaborado por alunos do Grupo de Estudo de Documentário (GEDoc) do curso de Audiovisual e Novas Mídias da Universidade de Fortaleza (Unifor) com depoimento dos 22 artistas convidados por Fernando França, que falam de seus processos criativos, suas percepções e concepções de arte.
Durante três meses, os alunos se debruçaram sobre as obras dos artistas retratados na exposição, gravando depoimentos onde eles comentam a experiência de ter suas obras visitadas pela de Fernando França e o desafio de intervir no resultado final das telas, dialogando e imprimindo seus traços.
O vídeo será lançado em uma primeira exibição durante a abertura da exposição, no dia 24, às 19 horas, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). De acordo com o coordenador do Grupo de Estudos professor Valdo Siqueira, a ideia é fazer também um recorte panorâmico da pintura cearense, "oferecendo ao espectador o retrato e a palavra gravada de cada criador".
Produção
O documentário foi produzido em 2011, após a finalização dos retratos da mostra. Cada artista comentou um pouco da sensação de se ver retratado e sobre a experiência criativa desenvolvida no ateliê de Fernando, propondo uma reflexão sobre os simbolismos da mostra, no uso da metalinguagem, dimensões das telas e recorte feito sobre a produção artística cearense.