|
agosto 23, 2011
Artista do INVISÍVEL por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Artista do INVISÍVEL
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de agosto de 2011.
Carlito Carvalhosa se consagra com mostra no MoMA e tem sua obra analisada em novo livro com textos críticos
Numa sala central da Pinacoteca do Estado, em São Paulo, Carlito Carvalhosa construiu um gigantesco labirinto de tecido branco, quase transparente, e convidou o compositor Philip Glass para tocar piano lá dentro.
De fora, era possível ver o vulto do músico e ouvir o eco dos acordes. Quem andava por dentro dos corredores de pano via silhuetas das esculturas do museu e o enxame de sombras dos passantes.
Um ano depois, o artista paulistano leva, nesta quarta, a mesma estrutura ao átrio do MoMA, em Nova York. Ele também é o artista escalado para inaugurar o anexo do Museu de Arte Contemporânea da USP, no antigo Detran, enchendo o prédio de postes.
De certa forma, esses trabalhos que transformam o espaço agora consagram o autor que despontou nos anos 90. Um livro que acaba de sair pelas editoras Cosac Naify e Charta, da Itália, analisa em retrospecto sua obsessão em moldar o espaço físico em experiências catárticas.
"É a ideia de memória como organizadora do lugar", diz Carvalhosa. "Aquilo que se torna invisível ainda está lá, então tem mais a ver com confronto do que adaptação."
No caso, suas esculturas criam um "enfrentamento" com o espaço ao redor. Mas acabam jogando luz sobre esse mesmo espaço e assumem a posição de escravas incômodas dessa arquitetura.
Ou também servem para exaltar os vazios e despropósitos do ambiente que ocupam. No fim do ano passado, o artista encheu de luzes uma galeria inteira em São Paulo. A sala vibrava branca, sem nada, num zunido elétrico que denunciava sua nudez.
Luis Pérez-Oramas, curador da mostra no MoMA e um dos autores do livro sobre Carvalhosa, enxerga nesse ato de desvestir a arquitetura uma herança dos ideais plásticos de Hélio Oiticica.
"Ele pensa a obra como vestimenta", diz Pérez-Oramas, comparando as peças de Carvalhosa aos "Parangolés", as roupas coloridas do neoconretista. "São trabalhos que só fazem sentido quando o corpo está dentro deles."
ROTA DE EXCESSOS
Mas se Oiticica buscava a volúpia do corpo e do movimento como alicerces visuais, Carvalhosa trilhou uma rota de excessos que provocam um impacto visual distinto, mais estático e sóbrio.
Não é a exuberância das cores, mas massas brancas imensas ou árvores desenraizadas que ditam outra forma de caminhar pelo espaço.
Numa exposição que fez no Museu de Arte Moderna do Rio, Carvalhosa replicou em gesso e pendurou de ponta-cabeça numa sala as formas do Pão de Açúcar, que pode ser visto da janela do museu.
Ele também suspendeu do teto árvores inteiras dentro do Palácio da Aclamação, em Salvador, e na antiga mansão de Eva Klabin, no Rio, como se fundisse dentro e fora, natureza e artifício, em composições visuais acachapantes.
Mas tanto no peso das árvores e dos blocos de gesso quanto na leveza escultural de seus tecidos e luzes, Carvalhosa quer o mesmo efeito, o assombro causado pelo que costuma chamar de suas "pequenas transformações".
Essa coerência no conjunto da obra sublinha sua trajetória na opinião de críticos que escreveram sobre ela.
"Ele encontrou seu espaço num processo contínuo e seguro, na dialética entre mostrar e esconder", diz Pérez-Oramas. "Sua obra tem impacto no campo da experiência e não da contemplação."