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agosto 17, 2011

Labirinto no Olimpo por Bruno Moreschi, Bravo!

Labirinto no Olimpo

Matéria de Bruno Moreschi originalmente publicada no caderno Artes Visuais da revista Bravo! em 12 de agosto de 2011.

Como Carlito Carvalhosa, que em 30 anos de carreira nunca havia feito uma individual de peso no exterior, conseguiu chegar ao concorrido átrio do Museu de Arte Moderna de Nova York.

O paulistano Carlito Carvalhosa nunca fez uma exibição individual de peso no exterior. E a estreia, no dia 24 deste mês, vai ocorrer justamente em um dos endereços mais nobres das artes visuais do mundo: o átrio do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA. Para ter uma ideia da aura que embrulha o espaço, de março a maio do ano passado, 561 mil pessoas entraram no museu para assistir à artista sérvia Marina Abramovic, que, sentada em uma cadeira no centro da sala, convidava os visitantes a fazer o mesmo e encará-la. Em julho de 2010, a japonesa Yoko Ono instalou um microfone no endereço e pediu para os espectadores gritarem diante do aparelho. A suíça Pipilotti Rist projetou seus vídeos fantasiosos nas quatro paredes do átrio entre novembro de 2008 e fevereiro de 2009. Todas elas, estrelas de primeira grandeza no circuito internacional, de uma forma ou de outra sempre estiveram na lista dos curadores do museu para, em algum momento, ocuparem a prestigiosa entrada da instituição. Com Carlito, que é ainda o primeiro brasileiro a se apresentar no espaço, a história foi diferente.

Até setembro do ano passado, o curador de arte latino-americana do MoMA, o venezuelano Luis Pérez-Oramas, nem cogitava escalar o artista para uma exposição, embora já conhecesse algumas de suas obras: “Carlito é um artista sério. Seu trabalho tem uma estrutura física muito suave, mas, ao mesmo tempo, é denso em significados. Até o ano passado, porém, eu não tinha tido a experiência de estar em uma de suas grandes instalações”. A experiência aconteceu na Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde Carlito montou a impressionante A Soma dos Dias. Pensada especialmente para um espaço em forma de octógono no museu paulistano, a obra pode ser descrita como um labirinto feito por camadas de tecido TNT (um tipo de tecido muito barato que não passa pelo processo têxtil) branco de 14 m de altura, que faziam com que os visitantes literalmente se perdessem dentro de uma imensidão alva. O título da peça era uma clara referência aos gravadores e alto-falantes espalhados pelo caminho: os primeiros captavam o som ambiente do museu e os alto-falantes reproduziam os barulhos registrados no dia anterior.

Pérez-Oramas, que visitava o Brasil com outros profissionais do MoMA por ocasião da 29ª Bienal de São Paulo, lembra bem do exato momento em que entrou no labirinto branco de Carlito: “Ficamos completamente impressionados. E decidimos praticamente naquela hora que o trabalho deveria ser exibido no museu”, diz. O espanto entre os curadores é ilustrativo de como uma obra possui o poder de fascinar e fazer um artista alçar voos maiores. Diferentemente de outros brasileiros, que conseguiram um reconhecimento internacional depois de várias exposições no exterior – caso do carioca Cildo Meireles, que antes de uma individual na Tate de Londres integrou mostras coletivas de prestígio, como a Documenta de Kassel, na Alemanha –, Carlito nunca teve uma carreira consolidada fora do Brasil. Mesmo assim, a qualidade de A Soma dos Dias – e uma dose de sorte para que os superpoderosos do MoMA estivessem no Brasil justamente em seu período de exibição – bastou para que ele fosse alçado a um dos olimpos das artes visuais atualmente. “Jamais esperava que uma conversa com os curadores era na verdade um convite para expor no MoMA”, diz Carlito.

Até o dia 14 de novembro, o átrio do museu norte-americano ficará tomado por uma versão ampliada da instalação vista na Pinacoteca de São Paulo. Em Nova York, o labirinto, que será chamado de Sum of Days e montado em uma área de 300 m2, atingirá 19 m de altura. Assim como ocorreu na capital paulista, quatro microfones também irão gravar o som do local e 60 alto-falantes presos ao tecido reproduzirão os sons captados no dia anterior. Performances do compositor norte-americano Philip Glass estão agendadas para ocorrer no centro do labirinto. Amigo do artista há pelo menos uma década, Glass, que também se apresentou na instalação em São Paulo, tocará piano entre as camadas de tecido: “Os dois possuem muita coisa em comum. Ambos trabalham com o tempo e a participação do público para produzir o som”, diz Pérez-Oramas.

Pão de Açúcar em gesso
Mas Carlito não está agora no MoMA somente por causa de uma obra de impacto e um pouco de sorte. Formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o artista iniciou a carreira na Casa 7, um ateliê em São Paulo que na década de 1980 abrigava outros nomes hoje festejados, como Rodrigo Andrade, Fábio Miguez, Paulo Monteiro e Nuno Ramos. Nos últimos anos, ele vem cada vez mais chamando a atenção com a sua capacidade de transformar radicalmente os locais onde cria suas instalações. Em 2006, o artista suspendeu um imenso pedaço de gesso no interior do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Muitos compararam o objeto ao Pão de Açúcar, cartão-postal da paisagem carioca. A escolha do gesso não foi por acaso. Como faz agora ao usar um tecido barato. Carlito frequentemente opta por materiais tidos como de pouco valor e os confronta com o mundo das artes.

Neste ano, ele fez um conjunto de intervenções para a Fundação Eva Klabin, no Rio de Janeiro. Diante de uma casa conhecida por abrigar quase 2 mil peças, muitas delas objetos clássicos, Carlito hesitou por um instante: como preencher um espaço já tão carregado de significado? Em cada cômodo da habitação, ele acrescentou um estranhamento diferente. Em uma das salas, por exemplo, todos os móveis acabaram erguidos sobre copos de vidro, suspensos à altura de 20 cm do chão. Ao reparar que não havia nenhuma planta no interior do endereço, colocou árvores no banheiro. O curador Fernando Cocchiarale analisa: “Carlito está sempre aberto para trabalhar com novos materiais. Sua obra é movida sempre pelo desafio de ocupar de forma surpreendente um local específico”. O curador Marcio Doctors, que convidou o artista para realizar a mostra na Fundação Eva Klabin, complementa: “Ele possui uma incrível capacidade de intervir no espaço. Seu interesse principal é trabalhar com um olhar pouco habitual e fazer a gente ver os objetos de outra maneira”. Assim é com os móveis que parecem flutuar, com o gesso e vai ser no MoMA, com o átrio tomado por um labirinto feito de camadas de tecido branco. Os visitantes do museu certamente verão sua entrada de um jeito diferente depois de Sum of Days. E é bem provável que a carreira de Carlito Carvalhosa também se divida em antes e depois dessa peça.

Posted by Alice Dalgalarrondo at 1:24 PM