|
agosto 15, 2011
"Ex Isto" tropeça na sintaxe do escritor Paulo Leminski por Manuel da Costa Pinto, Folha de S. Paulo
"Ex Isto" tropeça na sintaxe do escritor Paulo Leminski
Matéria de Manuel da Costa Pinto originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 13 de agosto de 2011.
Filme se baseia em "Catatau", armadilha para apuro visual de Cao Guimarães
Baseado em "Catatau", de Paulo Leminski, "Ex Isto" é um filme que tropeça na sintaxe do escritor paranaense, sem conseguir recriá-la. Escrito por nove anos, com um fluxo verbal cujas invenções linguísticas o colocam ao lado de "Galáxias", de Haroldo de Campos (1929-2003), como grande realização em prosa da poética concreta, "Catatau" é uma armadilha para um diretor com o apuro visual de Cao Guimarães.
Uma breve sinopse do livro mostra seu apelo cinematográfico: o filósofo francês René Descartes embarca na expedição do holandês Maurício de Nassau ao Brasil e, aqui, enlouquece com a exuberância tropical e com os efeitos de uma erva que turva seu projeto de fundar um racionalismo desconfiado da percepção sensível.
Partindo da fantasia biográfica (ele de fato viveu na Holanda e se engajou no Exército de Nassau, mas foi para a Alemanha), Leminski introduz duas personagens.
Um delas, histórica, é o polonês Artyczewski, que na ficção teria apresentado Descartes à erva maldita. A outra, imaginária, é Occam, uma espécie de sombra oculta, cujo nome remete a Guilherme de Ockham (pensador inglês do século 14). Ocorre que tais personagens só existem como entidades abstratas na tela mental de Cartesius (forma latina de Descartes): ele espera Artyczewski como um messias que o liberte do caos, no qual Occam entra como monstro textual que governa seu solilóquio desordenado, saturado de neologismos.
Cao Guimarães escolhe com sensibilidade os trechos de "Catatau" ditos pelo ator João Miguel, na pele de um Descartes vagando entorpecido por selvas tropicais e ruas atuais do Recife e de Brasília (onde Leminski projeta a erosão solar, e intemporal, do racionalismo cartesiano).
Mas há nítida dissonância entre a escrita espasmódica do livro e os planos-sequências de "Ex Isto", cuja plasticidade, límpida até numa cena de mercado popular, é um refúgio para a incapacidade de recriar os fantasmas da prosa mutante de Leminski.