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agosto 8, 2011

Delírio tropical por Paula Alzugaray, Istoé

Delírio tropical

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada no caderno de Cultura da revista Istoé em 5 de agosto de 2011.

Cinema experimental renasce em "Ex Isto", de Cao Guimarães, projeto incentivado pelo Itaú Cultural

No mundo da arte, o espaço cartesiano corresponde ao cubo branco. Trata-se de um espaço neutro, organizado de forma a se manter o mais distante possível da complexidade da vida exterior. Assim são construídos os museus e as galerias, sob os preceitos da arquitetura moderna. Já na literatura e no cinema, ao cartesianismo correspondem as narrativas lineares. Ser cartesiano é combater o caos com as luzes da lógica e da razão. Assim determinou o filósofo francês René Descartes (1596-1650), entre outros iluministas, para tirar a Europa das trevas. Mas “e se René Descartes tivesse vindo ao Brasil com Mauricio de Nassau?” Talvez tivesse perdido a razão para os delírios e os desvarios dos trópicos. Essa é a tese do escritor Paulo Leminski (1944-1989) no romance “Catatau” (1976), que ganha versão de Cao Guimarães para o cinema, em projeto incentivado pelo Itaú Cultural. Leminski e Guimarães, dois artistas que não se deixaram domar pelas leis do cubo branco, se encontram em “Ex Isto”, em cartaz nos cinemas a partir de 12 de agosto, em várias capitais brasileiras.

Em “Ex Isto”, Descartes, interpretado pelo ator João Miguel, mergulha em crise existencial tão logo se depara com a complexidade impenetrável da selva brasileira. Nessa paisagem estranha, situada em algum lugar “entre a apatia e o nervosismo”, segundo texto de Leminski, Descartes vai aos poucos se despir. O chapéu, primeiro elemento que lhe escapa, é sintomático de sua gradual perda da razão. No em­bate filosófico com a floresta, Descartes contracena com aranhas e papagaios, testando princípios e paradigmas. No rito de passagem a que será conduzido, chega a ficar nu e a se enlamear, como num ritual primitivo. Já em franco delírio, abandona seu tempo e visita o Recife contemporâneo. Como um bom turista, vai à favela e ao mercado, provar as frutas, a música, a mulher, as delícias tropicais.

O terreno das alucinações é próprio da poética de Cao Guimarães, artista que sabe, como poucos, inverter os sentidos de uma imagem. O diretor, que já acompanhou eremitas e outros desajustados em seus longas anteriores – “A Alma do Osso” (2004) e “Andarilho” (2006) –, chega em “Ex Isto” à integração perfeita entre cinema, performance e intervenção urbana. A sequência em que Descartes divaga pelo mercado, ação visivelmente realizada a partir de improvisações cênicas de João Miguel, é performance pura. Já sua relação com o papagaio, na floresta, chega a remeter a um dos momentos clássicos da performance contemporânea: a interação entre a artista alemã Rebecca Horn e uma cacatua em um de seus “Berlin Exercises”. Destaque também para a mais que acertada escolha da canção “Luzes”, letra de Leminski e música de Arnaldo Antunes, para os créditos finais. Um grandíssimo final.

Um projeto da série Iconoclássicos, do Itaú Cultural, “Ex Isto” retoma uma tradição de ex­pe­rimentalismo que desde a década de 1970 não se fazia com tanto vigor no cinema nacional.

Posted by Alice Dalgalarrondo at 5:06 PM | Comentários(1)
Comments

ótima crítica para um filme sensacional.

Posted by: Moacir dos Anjos at agosto 11, 2011 3:53 PM
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