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agosto 8, 2011
Cartografias fronteiriças por Paula Alzugaray e Nina Gazire, Istoé
Cartografias fronteiriças
Matéria de Paula Alzugaray e Nina Gazire originalmente publicada no caderno de Cultura da revista Istoé em 15 de julho de 2011.
Anna Bella Geiger e Letícia Parente, que compartilham o título de pioneiras da videoarte brasileira, ganham retrospectivas
Letícia Parente (1930-1991) e Anna Bella Geiger escreveram o primeiro capítulo da videoarte no Brasil: as duas artistas integraram o grupo que, em meados dos anos 1970, realizou experimentações com uma Sony Portapak, a primeira câmera de vídeo portátil. Quando realizou os vídeos “Passagens” (1974), Anna Bella já tinha uma trajetória artística de 20 anos utilizando materiais e técnicas como nanquim, crayon, pintura a óleo, guache, fotografia e gravura em metal. E dava aulas em seu ateliê.
A baiana Letícia, que veio de Fortaleza para o Rio de Janeiro em 1974, ingressando no ateliê de Anna Bella, já havia realizado uma exposição individual de gravuras. No seu primeiro vídeo, o já clássico “Marca Registrada” (1975), Letícia costura a frase “made in Brasil” na sola do pé. Embora reconhecidas como pioneiras dessa nova mídia eletrônica, as duas artistas ganham hoje retrospectivas que acentuam o caráter multimidiático de suas carreiras.
A exposição “Circa MMXI” se organiza como uma espécie de mapa, que desenha regiões exploradas em 60 anos de trajetória de Anna Bella Geiger. Ao utilizar no título o termo “Circa” – designação de data provável de obra artística, histórica ou arquitetônica – a artista demarca o interesse com noções de tempo e espaço, que sempre acompanhou seu trabalho. “Territórios e localizações são temas que estou sempre trabalhando. E sempre volto à ideia do cais e do porto”, diz ela, que assumiu como ponto de partida da mostra a zona portuária.
O visitante que aportar na primeira sala é recebido pela gravura panorâmica “Zona Portuária com Águas dos Mares” (2010) e obras de décadas anteriores que têm a viagem e a cidade como tema. A mostra, uma autocuradoria de Anna Bella, transcorre em percursos ora cronológicos, ora relacionais – traçando tensões e correspondências entre diferentes obras e períodos. Embora comece com o barco, talvez o símbolo máximo do trajeto seja o trem, elemento presente nas instalações “Circa IV” e “Circa V”. Ambas têm a modernidade como tema e alavancam toda uma carga simbólica sugerida pela figura do trem: a circularidade, a travessia, a imagem em movimento, o cinema.
Ao contrário de Anna Bella, Letícia Parente é muito mais conhecida por seus vídeos, que são 11 no total. Recentemente restaurada, sua obra videográfica completa será mostrada no Oi Futuro, no Rio. Mas a exposição acontece concomitantemente em três cidades – Rio, Salvador e Fortaleza –, onde a artista viveu. No MAC de Fortaleza serão expostas as gravuras e pinturas produzidas na fase cearense. Já em Salvador, o vídeo “De Aflicti – Ora Pro Nobis” e fotografias ocuparão a capela do MAM Bahia. “Em função do espaço que cada museu oferece, podemos pensar uma conversa dos vídeos com alguma outra obra da produção da artista”, diz o filho André Parente, que assina a curadoria da retrospectiva “Arqueologias do Cotidiano” com a artista Katia Maciel. “Esse conceito de arqueologia do cotidiano foi encontrado nos próprios textos da Letícia. Todos os seus vídeos têm a ver com preparações de tarefas relacionadas ao cotidiano. Partindo de atos banais, você pode passar para outras camadas e atingir a problematização desses gestos”, diz Parente.