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julho 25, 2011
Houston, WE HAVE ART por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Houston, WE HAVE ART
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de julho de 2011.
Museu dos EUA elabora a maior base de dados da arte latino-americana, reunindo 10 mil documentos históricos
No diário de sua viagem ao Brasil, o poeta Blaise Cendrars anotou: "A terra é vermelha, o céu é azul". Tarsila do Amaral então ilustrou tudo sob os efeitos de "azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante".
"Feuilles de Route" (folhas do caminho), caderno que destrincha o roteiro da artista com o poeta francês por Minas Gerais e que deu origem à sua fase "Pau Brasil", é um dos 10 mil documentos que integram o mais ambicioso projeto de digitalização de textos e imagens relacionados à arte latino-americana.
Nos últimos sete anos, Houston foi o epicentro de um esforço que envolveu cem pesquisadores, espalhados por 14 cidades das Américas para reunir a maior base de dados de artistas latinos já compilada, tudo a um custo de cerca de R$ 78 milhões.
"Queremos percorrer as bases intelectuais da arte latino-americana", resume Mari Carmen Ramírez, curadora do Museum of Fine Arts de Houston (EUA), responsável pelo projeto. "Nossa esperança é que isso leve a uma transformação radical no entendimento da arte dessa região."
Radical porque documentos primários, de diários de artistas a artigos publicados e anotações pessoais, estarão acessíveis ao mundo todo pela primeira vez. Será uma base que permite cruzar dados sobre a produção desses autores ao longo do século 20.
"Isso nos leva a observar esses artistas a partir de outros ângulos", diz Ramírez. "Ajuda a estabelecer uma história comparativa da arte latino-americana, esclarecendo a relação entre os países."
ETAPA BRASILEIRA
Na primeira etapa do projeto, serão divulgados, até o fim deste ano, 3.000 documentos ligados a nomes dos Estados Unidos, México e Argentina. Em 2013, entram os 1.500 textos históricos que foram garimpados no Brasil.
Entre eles, clássicos como o "Manifesto Antropófago", de Oswald de Andrade (1890-1954), textos sobre arquitetura moderna escritos por Gregori Warchavchik (1896-1972), uma análise das construções do país feita por Le Corbusier (1887-1965) e publicações como a revista "Klaxon", espécie de bíblia dos modernos.
"São autores que marcaram o pensamento das artes no Brasil", diz Ana Maria Belluzzo, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que coordenou o braço brasileiro da pesquisa. "Tentamos reconstruir esse pensamento, mostrar a criação de uma linguagem."
Embora pesquisadores de cada país tenham autonomia, um roteiro geral de busca foi elaborado em Houston para dar unidade aos dados -uma lista de critérios do que interessa ou não ao projeto. "Há uma lista de questões, não de artistas", diz Belluzzo. "A coisa mais importante é trabalhar esse universo."
Em paralelo ao projeto de Houston, a artista Letícia Parente acaba de ter sua documentação lançada on-line em leticiaparente.net, e os escritos de Lygia Clark devem ganhar a web em breve, numa parceria dos herdeiros da artista com a Universidade Federal de Minas Gerais.