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julho 18, 2011
Casa dos artistas por Pedro Leal Fonseca, Folha de S. Paulo
Casa dos artistas
Matéria de Pedro Leal Fonseca originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 17 de julho de 2011.
Projeto reúne brasileiros e estrangeiros em residência na ilha de Itaparica, livres para criar
Uma temporada de dois meses numa casa da ilha de Itaparica (14 km de Salvador), em frente ao mar da baía de Todos os Santos, com despesas pagas e sem a pressão de tarefas cotidianas.
Nos últimos dez anos, 180 artistas de 43 países tiveram à disposição esse conjunto de regalias na residência do Instituto Sacatar.
São pessoas como a artista visual carioca Alice Miceli, 31 -destaque da Bienal de São Paulo em 2010-, e o compositor paulista Felipe Lara, 32.
Há poucos meses, eles nem se conheciam. Nas últimas semanas, escolhidos para uma temporada no Sacatar, os dois puderam trocar experiências sobre o "funcionamento dos sons".
Felipe deixou de lado as partituras da obra que compõe para a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e apresentou a Alice programas de computador que fazem análise de sons e que podem auxiliá-la em seu próximo trabalho.
Tempo para criar
Mantido por doações captadas nos Estados Unidos, o Sacatar oferece para os residentes passagens aéreas, uma casa de praia com mais de 8.000 m2, todas as refeições e o principal: tempo livre para criar.
De junho até agosto, há três brasileiros e três estrangeiros vivendo ali. Foram escolhidos em processo de seleção que envolveu entrevistas e análise de trabalhos.
A artista plástica mineira Lucimar Bello, 65, uma das residentes, preenche seu estúdio com 6.000 conchas e capas da Folha, cobertas com óleo de linhaça e pó de aroeira. "Ainda não sei onde isso vai parar. Estou estudando possibilidades."
Ela também desenvolve um projeto com a comunidade local, em oficinas que reúnem, por exemplo, trançadeiras e barbeiros da própria ilha de Itaparica.
Enquanto ela coordena a oficina, o fotógrafo americano Gerald Cyrus, 54, clica os meninos e meninas que foram até o local para trançar os cabelos.
"Pesquiso a cultura afro-baiana há 20 anos. Estou retratando o povo negro de Itaparica e Salvador", diz.
Interação
Segundo ele, na Filadélfia (EUA), é mais difícil interagir com artistas de várias vertentes, como ocorre na casa.
As refeições são os momentos de maior interação. Quando a Folha visitou o local, o grupo conversava -oscilando entre o português e o inglês- enquanto comia uma moqueca de peixe.
Felipe Lara traduzia as impressões da ceramista americana Maggie Smith, 60, sobre a técnica de azulejos que ela conheceu em uma cidade perto da ilha.
"Não temos isso nos EUA. A cultura daqui está influenciando o meu trabalho. Fomos ao candomblé em Itaparica e estou lendo "Viva o Povo Brasileiro", de João Ubaldo Ribeiro", diz Maggie.
A japonesa Mari Ogihara, 29, também ceramista, trabalha com arames e jornais para reproduzir gaiolas, objeto pelo qual se encantou. "Estamos aqui em um período de reflexão e autodescoberta."