|
junho 27, 2011
A magia da geometria por Camila Molina, o Estado de S. Paulo
A magia da geometria
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 17 de junho de 2011.
Quando menino, de uns 10 ou 12 anos, Sérvulo Esmeraldo gostava de criar coisas com os restos de materiais que eram usados para fazer tachos no engenho de cana de açúcar mascavo onde cresceu, no Crato, Ceará. "Também fazia objetos que funcionavam com o vento, como papagaios que já tinham formas cinéticas bem estudas", conta ainda o artista, hoje com 82 anos. Ele, brincando não saber a diferença entre "acidente e incidente", vê agora na Pinacoteca do Estado uma mostra que reúne 117 de suas obras, criadas desde a década de 1950. O percurso de Sérvulo Esmeraldo, como vai ver o visitante nessa retrospectiva, é o de um criador que consegue aliar a naturalidade à inteligência sensível em uma produção que se desdobra por esculturas, gravuras, desenhos e objetos.
O que une tudo na obra do artista é a geometria - "a linearidade, a síntese, a eloquência da beleza da forma", como afirma a historiadora Aracy Amaral em texto do livro Sérvulo Esmeraldo, que ela organizou e que acompanha a retrospectiva do cearense. Aracy, na citação, se refere a uma obra específica, Cinco Escamas, de 2001, mas as características ressaltadas pela crítica nesse excerto valem para o conjunto da produção diversificada e ao mesmo tempo tão própria do artista.
Sérvulo Esmeraldo nasceu no Crato, viveu em São Paulo e em Paris e depois quis se fixar mesmo em Fortaleza. Nesse percurso intenso, adotou a abstração geométrica, criou arte cinética, fez esculturas públicas. Fazia tempo que ele não realizava uma mostra em São Paulo e essa atual retrospectiva na Pinacoteca, proposta pelo curador Ricardo Resende, resgata o artista que estava "escondido no Ceará". "A exposição apresenta a dimensão da obra de Sérvulo, uma produção coerente que não tem altos e baixos", diz Resende.
O livro organizado por Aracy Amaral, editado pelo museu paulista, é mais um elemento importante nessa iniciativa de apresentação, análise e resgate da obra de um criador "já inscrito na historiografia da arte experimental brasileira do século 20", como define a historiadora. A publicação, ampla, traz textos de Aracy, Resende, João Rodolfo Stroeter, Frederico Morais, José Claudio da Silva, Matthieu Poirier, Dodora Guimarães, Fernando Cocchiarale, Ana Maria Belluzzo, Agnaldo Farias, carta do artista Julio Le Parc, entrevista com Sérvulo Esmeraldo feita por Lisette Lagnado, cronologia e imagens.
Desenhos espaciais. A exposição tem certo percurso cronológico, mas, na verdade, chega um momento em que essa cronologia se esvai. Na verdade, um pensamento gráfico perpassa todas as obras e já não importa mais saber o ano em que foram feitas. "A linha, a escultura, o desenho, eles vão acontecendo tudo junto. A gente não pensa, acontece", diz Sérvulo Esmeraldo sobre suas obras - "no fundo, os artistas são intuitivos", completa ele.
Na primeira sala da mostra, está uma pintura a óleo sobre madeira de 1950, uma marinha figurativa de Fortaleza. A obra quase clássica (com céu azul e mar) é única no seu gênero e faz contraste em relação ao restante da mostra. "É a única pintura minha que restou, as outras desapareceram", conta Sérvulo. Logo ao lado dela, há um desenho, também de 1950, em que os barcos estão em preto e branco, já geometrizados. Mais ainda, xilogravuras da mesma década, com motivos vegetais - representando folhas e sementes, por exemplo - já indicam, mais ainda, uma vontade de "formalização e limpeza", afirma o curador Ricardo Resende.
Em 1951, Sérvulo se mudou do Ceará para São Paulo e, como ele diz, quando veio para "outro meio", travou contato fundamental para sua trajetória ao conhecer artistas como Arnaldo Pedroso d"Horta, Livio Abramo, Marcello Grassmann e seu conterrâneo cearense Aldemir Martins. Em 1957, Sérvulo Esmeraldo faz sua primeira individual no MAM e, ainda nesse ano, ganha bolsa para residir em Paris.
A década de 1960 é ainda mais rica de experimentações para Sérvulo Esmeraldo. Em 1962, ele cria seu primeiro objeto cinético, O Escriba, e a partir de então suas obras passam do papel para o tridimensional e vice-versa - como define Frederico Morais, Sérvulo está "gravando esculturas/esculpindo gravuras" com poucas linhas, volumes, materiais diversos e em alguns casos, com o uso da cor.
Um dos destaques da mostra é o livro-objeto Trilogia, feito em parceria com o poeta Péricles Eugênio da Silva Ramos. Mas a experiência mais interessante do artista, como vemos na retrospectiva, são os chamados Excitáveis, trabalhos ativados por energia eletrostática que ele iniciou nos anos 1960 e que convidam à participação. "O primeiro deles foi inspirado no poema Anunciação, de Vinicius de Moraes", acrescenta Sérvulo Esmeraldo.