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Como atiçar a brasa

 


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junho 20, 2011

Intervenções urbanas espalham-se pelo Plano Piloto a partir de hoje por Nahima Maciel, Correio Braziliense

Intervenções urbanas espalham-se pelo Plano Piloto a partir de hoje

Matéria de Nahima Maciel originalmente publicada no caderno Diversão e arte do Correio Braziliense em 20 de junho de 2011.

Um cubo de isopor flutuará a partir de hoje pelo Lago Paranoá. Na Rodoviária, uma pintura de US$ 800 mil, isolada por vidro blindado, sugere jogar os políticos corruptos no fogo dos infernos. Na Universidade de Brasília (UnB), uma placa gigante em vidro traz fichas de estudantes que participaram do Congresso de Ibiúna durante a ditadura e, no CCBB, de uma Kombi colorida brotam palmeiras imperiais. O curador Wagner Barja quis transformar Brasília no museu a céu aberto tão proclamado e repetido por aí. Sim, a cidade é uma obra de arte arquitetônica dos anos 1960 e a contemporaneidade pode dar um toque humano, colorido e menos sisudo à capital do modernismo. Barja queria fazer isso há anos. Somente agora conseguiu viabilizar o Aberto Brasília, uma série de intervenções urbanas de autoria de 19 artistas da cidade, do Brasil e do exterior.

Barja não dorme tranquilo há alguns dias. “É o maior projeto em que já trabalhei”, justifica. É preciso uma equipe de produção duas vezes maior que aquelas destinadas a montagens de exposições para fazer um esquema desses funcionar. Também conta a boa vontade dos responsáveis pelo patrimônio — no caso, o Iphan —, mas Barja confessa ter conquistado total adesão do instituto. Da burocracia, não escapou. “Os grileiros agem aqui com liberdade e os artistas enfrentam uma burocracia imensa para trabalhar”, reclama. Tudo foi planejado especificamente para o Plano Piloto. “No geral, o projeto é uma proposta de busca da utopia, que foi o principal conceito de formação da cidade. Os trabalhos em espaços abertos tentam reviver o espírito de utopia.”

Comentários políticos aparecem em boa parte dos trabalhos. É como se Brasília guardasse um livro de visitas com espaço reservado para a crítica preenchido com muita elegância. Outros trabalhos dialogam visceralmente com a poesia, e os artistas aproveitam para mergulhar na subjetividade e nas licenças poéticas. As intervenções estão espalhadas pela cidade e pelos jardins do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no qual foi montada uma sala de vídeos com filmes sobre a trajetória e o processo de confecção da obra de cada artista. Hoje, durante a abertura, haverá uma série de performances. Às 20h, o carioca Waltercio Caldas percorrerá o Eixo Monumental com dois caminhões coloridos, de 20 metros de comprimento, a 20km/h. É a versão do artista para uma suposta pintura modernista.

Meia hora depois, Ronald Duarte, também do Rio de Janeiro, realiza um fumacê de descarrego para o CCBB com voluntários e 20 extintores. Também é dele a performance Peito de aço, série de imagens da Esplanada captadas por cinco helicópteros e transmitidas para a sala de vídeo do CCBB. Às 21h, o grupo brasiliense Corpos Informáticos assume o comando com uma performance seguida de intervenção dos ciclistas do Pedal Noturno, encarregados de fazer um halo de luz com os próprios capacetes em volta do Museu Nacional antes de seguir para o Setor de Clubes. Veja como foram projetados e idealizados alguns dos trabalhos do Aberto Brasília.

Crítica explícita

Cildo Meireles leu um artigo científico sobre a espessura da crosta terrestre e chegou ao Buraco para jogar políticos desonestos. No artigo, descobriu que o magma do centro da Terra está mais próximo da superfície no Planalto Central que em outros lugares. Na pintura, vê-se o Congresso ao fundo e a fenda que leva ao centro da terra aberta para receber os políticos. Avaliada em US$ 800 mil, a pintura foi instalada na Rodoviária, exatamente para contrastar e dialogar com a Esplanada. “Ser mais direto é impossível”, brinca o artista, um dos nomes mais conhecidos da arte brasileira contemporânea no exterior. “O recado é aquele que todo o Brasil tem na ponta da língua. Seria tão legal que a corrupção acabasse nesse país, mas é utopia.”

Um olho no Congresso

Rodrigo Paglieri não teve pudores: pendurou uma câmera entre as duas torres do Congresso Nacional. Suspenso em um pêndulo que realiza oscilações de 180°, o equipamento capta imagens da Esplanada e transmite em tempo real para um monitor no CCBB. O público também pode acompanhar a transmissão pelo link http://www.ustream.tv/ channel/panoramica-brasilia. A intenção de Paglieri, chileno radicado em Brasília, era apenas inverter o olhar da paisagem, sempre vista de frente com o Congresso ao fundo. “Não é uma crítica, mas claro que inverter o olhar convencional já diz bastante: trata-se do poder olhando para a paisagem, para a cidade que contém o povo.”

Cubo flutuante

Guto Lacaz (foto) observava um homem navegando em caixa de isopor na represa de Guarapiranga, na periferia de São Paulo, quando teve a ideia do OFNI, Objeto Flutuante Não Identificado. A versão brasiliense, idealizada para o Lago Paranoá, foi construída na semana passada com 79 caixas de isopor. O cubo tem seis metros de altura e cabine de direção com direito a motor de popa. “É um ready made”, avisa o paulistano. “Gosto muito do efeito físico da flutuação e de barcos, por isso pensei em fazer um barco diferente. O OFNI é uma escultura.” A precariedade inspira Lacaz, que já fez um auditório flutuante para o Ibirapuera.

Um canto em quatro pontos

A geografia brasiliense pareceu adequada ao carioca Nelson Félix. Ele imaginou quatro pontos na extremidade do X que demarca o Plano Piloto e concebeu ações às quais o público só terá acesso por meio de vídeos. Félix passou horas a desenhar e ler poesias no Lago Norte, Lago Sul, Setor de Oficinas e Parque Nacional. Deixou por lá um vaso (foto) com uma dormideira, chamou a performance de Um canto onde não há canto e foi embora depois de entender que havia entrado em comunhão com os espaços. “Brasília é uma cidade que não tem canto e proponho fazer um canto para ela”, explica.

Reflexos da paisagem

Também em comunhão com a natureza, os belgas do The Milena Principle ocuparam a Lagoa do Sapo, no Parque Olhos d’Água, com uma referência ao mito de Narciso: a foto gigante enterrada na água (foto) mostra um rosto de homem. A paisagem é tema ainda de Karina Dias, que construiu um cubo revestido de película espelhada no qual se pode ver o reflexo da paisagem. Instalado no jardim do CCBB, “[com]-Posição faz parte de uma pesquisa que já rendeu livro e vídeos. “A instalação provoca uma inversão e traz para a terra o que está em volta, sobretudo o céu”, explica Karina.

Duas homenagens

No CCBB, Paulo Bruscky faz homenagem a Vicente do Rêgo Monteiro com um cavalo encerrado em cercadinho e pintado de verde. A tinta é biológica e o animal tem supervisão do Ibama. Bruscky queria o quadrúpede porque Monteiro adorava o bicho.

E para entender o verde basta espiar as obras do homenageado: tonalidades esverdeadas permeiam as pinturas. Homenagem irônica — e sempre política — de Xico Chaves parece datada mas atrai atenção: uma imensa chapa de vidro lembra os estudantes presentes no Congresso de Ibiúna, símbolo da resistência contra a ditadura.

Posted by Gilberto Vieira at 2:11 PM