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junho 17, 2011
Depoimento do conselheiro Rubens Machado Jr. sobre o MIS-SP a Paula Alzugaray
Depoimento de Rubens Machado Jr., professor da ECA-USP, que primeiramente participou Comissão de Avaliação do Acervo, depois foi membro do Conselho de Orientação Artística e agora é membro do Conselho de Administração da Organização Social de Cultura gestora do MIS e Paço das Artes, a jornalista e crítica de arte Paula Alzugaray.
Leia também as matérias e respostas que compõem o Dossiê MIS e Paço das Artes: A morte anunciada de um modelo de gestão.
Como você vê toda essa nova categoria audiovisual que surge da fusão das mídias, chamadas de pós-cinemas, cinemas do futuro, etc. Não podem ser compreendidos sob o chapéu do cinema?
Pessoalmente prefiro pensar o cinema compreendendo todas estas novas modalidades, incluindo o audiovisual do futuro e o do passado, a TV, o vídeo. Independente do nome que se queira dar, há uma forte tendência hoje em reunir os problemas comuns para melhor pensar as diferenças. O fato é que o que se deu historicamente foi o contrário disto. Ciosos de demarcar o terreno, por razões diversas (mercadológicas, ideologias da inovação, corporativismo), críticos, curadores, artistas e cineastas preferiram se diferenciar. Agravou-se a compartimentagem com os anos 80, e não só no Brasil. Gente dizendo que o cinema morreu, outros que este último só iria se afirmar como indústria no país se esquecesse o lado arte, vanguarda etc. O resultado está aí, cinema e arte esperaram décadas para agora voltarem a se atrair. Este divórcio se explica também por uma concepção redutora do que seja o Contemporâneo, em que a História não joga mais um grande papel, como se ele dependesse mais do presente e do futuro do que do passado. Muitos se surpreendem quando hoje, um Agamben retoma o Benjamin do entre-guerras para afirmar que o contemporâneo se vincula sempre e intempestivamente à compreensão da história. O problema é cultural e político. A ironia é que a tecnologia – antes brandida para afirmar separações – hoje esteja catalisando essa interação mais larga. Curadores, artistas, teóricos, agitadores culturais, todos cavamos este abismo que se exprime agora no episódio do MIS-SP. Como se houvesse sentido numa revanche de uma parte contra a outra, velho e novo, indústria e arte; e é até provável que assistamos a novas alternâncias em curto ou médio prazo. Hoje já começa a mudar, mas há processos de formação que exigem certo tempo: quantos críticos de arte hoje se sentem à vontade escrevendo sobre filmes, ainda que sejam de artistas? O contrário também acontece, e isso é significativo. Como experimentamos uma reversão deste processo, certamente aumentarão as trocas daqui para frente, mas paulatinamente. Precisamos de gestões que propiciem esta tendência, criem interação entre estas forças estanques. Por isso insistimos em negociar com o novo diretor, e o Sturm nos pareceu sensível a esta necessidade, certo convívio fértil de um novo MIS com este mais experimental e artístico que, coordenado pela Daniela Bousso, se reposicionou admiravelmente como uma identidade sofisticada, que não pode ser abandonada. Se não, será apenas um velho MIS ‑ turbinado, mas um velho MIS que já conhecemos, sem maior identidade, até mesmo um MIS macunaímico, no pior sentido do termo. É o que se revelou na sua história institucional, se bem observado, na análise que se pode fazer do seu acervo acumulado, sintomático de uma disparidade que vai do objeto museológico de valor até toda sorte de sobras e doações aceitas sem grande critério, devido à falta de continuidade entre gestões.
A ex-diretora alega ter realizado em março um plano de reposicionamento do museu, colocando em primeiro plano as areas de cinema e fotografia, plano esse que teria sido aprovado pelo Conselho, mas recusado pelo Secretário. Na sua opinião, o plano de reposicionamento era satisfatório ou não, por que?
Bousso e o Conselho tentaram de fato negociar com o Secretário, ela escreveu em 3 dias um reposicionamento do MIS dentro do reposicionamento que demorou 3 anos para se estruturar, sob o comando de João Sayad, com o esforço de representantes de várias áreas sociais. Nesse redesenho conciliador contemplava todas as solicitações de Matarazzo no plano de atividades, estrutura, além de já ter admitido também os cortes e a mostra da Folha de S. Paulo etc. O Secretário preferiu não discutir estas alternativas que lhe foram encaminhadas, a negociação acabou atropelada pela mera mudança forçada. Esperamos que o Sturm tenha a devida paciência e interesse de se apoiar nesse plano alternativo que propusemos para traçar o seu próprio. Ele tem uma reputação conquistada em sua atuação, um trajeto de quem sempre soube ouvir, negociar e encaminhar com grande fidelidade compromissos assumidos. Resta-nos cobrar dele uma prática de diálogo com o Conselho e, importante lembrar, fidelidade ao que já afirmou a propósito de manter o projeto anterior no bojo do novo. As OS têm um papel a cumprir, fazer valer a tradição dos desígnios da instituição que dirige face às eventuais intempéries dos governantes do momento ou desígnios estranhos à vocação definida pelo diálogo com a sociedade civil que se faz representar no Conselho. O modelo das OS é muito recente, está sendo testado e precisa ser aperfeiçoado, corresponde a anseios partilhados por partidos políticos importantes, como o PT e o PSDB. O diálogo e negociação das OS com os governantes, os secretários, entretanto, é condição de sua existência. Sem isso as OS perdem sua função social e já não representam nada, muito menos a sociedade civil. Na prática, a opinião pública pode respaldá-la em contrapartida saudável ao respaldo trazido pelo voto aos governantes do momento. Mas sabemos que de um lado temos estudiosos e gente que trabalha “por amor à arte”, sem ganhar nada, representando setores da sociedade civil no Conselho, e de outro lado estão políticos de carreira: ‑ o contrapeso é desigual. Estes últimos podem cortar verbas sufocando a instituição, podem se aliar a algum órgão de comunicação poderoso e desequilibrar o debate público. Gostaria de ouvir as vozes críticas da Folha de S. Paulo sobre a essa cobertura tendenciosa a partir do ano passado, gente que merece confiança, como a ombudsman Susana Singer. Ou o colunista Marcelo Coelho, que já escreveu páginas críticas admiráveis sobre a própria atuação do atual Secretário. Apostamos numa postura moderna e republicana de Matarazzo e Sturm, interessada em ouvir e discutir com o Conselho e a sociedade a respeito de diferentes visões do que possa vir a ser o MIS.