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junho 1, 2011
Diretora: "Matarazzo promove retrocesso de 30 anos no MIS" por Claudio Leal, Terra Magazine
Diretora: "Matarazzo promove retrocesso de 30 anos no MIS"
Matéria de Claudio Leal originalmente publicada no Cultura do Terra Magazine em 1 de junho de 2011.
Leia também as matérias e respostas que compõem o Dossiê MIS e Paço das Artes: A morte anunciada de um modelo de gestão.
A substituição do comando do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo - articulada pelo secretário estadual da Cultura, Andrea Matarazzo (PSDB) - parece não ter esgotado seu manancial de polêmica. Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, a diretora do museu, Daniela Bousso, critica a decisão de Matarazzo de mudar o foco do MIS, com ênfase no cinema e na fotografia, desfazendo a tendência da atual gestão de trabalhar as artes com as mídias digitais.
"Matarazzo está equivocado e promove um retrocesso de 30 anos ao querer que o MIS se volte somente para a fotografia e o cinema. Isso é um absurdo, até porque temos várias instituições com acervos fotográficos em São Paulo e a Cinemateca voltada apenas para a área de cinema", ataca Daniela Bousso.
Matarazzo escolheu como sucessor o ex-proprietário do Cine Belas Artes, André Sturm. O conselho administrativo do MIS (uma organização social) referendou o nome nesta segunda-feira (30).
"É uma das coisas que a gente pretende no MIS. Não que ele abandone a vanguarda nem as novas mídias, mas que ele volte às suas origens e que amplie o seu público", anunciou o secretário da Cultura, em entrevista à Folha de S.Paulo, em 17 de maio. Dois dias depois, novos ataques: "O MIS precisa dar um salto, não pode ser tão hermético. Não se pode pôr R$ 12 milhões por ano para um público de apenas 80 mil pessoas".
A exposição "90 em Folha", comemorativa do aniversário do jornal paulista, escancarou as divergências entre Matarazzo e a diretora do MIS, que não participou da curadoria e teve de aceitar a imposição. Nos bastidores, a montagem é vista como uma intervenção do governo.
"É uma curadoria do secretário. Agora nós temos secretários curadores, que cedem espaços públicos para veículos de comunicação por 90 dias. Como num passe de mágica, transforma-se um jornal num veículo chapa-branca. E aí vai uma pergunta: estando uma exposição no MIS por 90 dias, a 'Folha de S.Paulo' teria isenção para analisar esta crise promovida pelo nosso secretário?", questiona Daniela.
Em resposta a Terra Magazine, o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, rebate as críticas e reafirma o apartidarismo do jornal. "Sim, a Folha considera que tem isenção para tratar da crise do MIS, assim como teve isenção para tratar da crise da Osesp, mesmo tendo realizado sua festa de 90 anos na Sala São Paulo, sede da orquestra. A Redação do jornal é totalmente independente do seu departamento de eventos e de marketing e realiza jornalismo isento, crítico, pluralista e apartidário", diz Dávila.
Localizado na Avenida Europa, o MIS possui dez conselheiros, mas somente três não pertencem ao grupo governista. A ascendência de Matarazzo foi decisiva para a queda da crítica e curadora de arte contemporânea, Daniela Bousso, que trabalha desde 1987 no Paço das Artes. Nesta entrevista, ela contesta a formação de seu sucessor. "O que diz ao conselho quando lhe perguntam como trabalhará no MIS, se não entende de artes nem de novas mídias? Ele responde que contratará pessoas. Outra conversa pra boi dormir. Com que critério ele contratará, se ele não entende de arte contemporânea e novas mídias?", provoca.
Com mais de 800 assinaturas, um abaixo-assinado contra a "intervenção" no MIS foi dirigido ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. A diretora do museu confronta as cobranças de crescimento de público: "A partir do começo de 2011, era o momento de investir em comunicação, porque até agora só tínhamos trabalhado na infra-estrutura. Aí o Matarazzo corta 30% do orçamento e exige que tenhamos o mesmo público da Pinacoteca. Outro equívoco: o MIS e o Paço das Artes tratam de arte contemporânea de ponta e esses conteúdos são mais lentos em termos de assimilação".
Confira os principais trechos da entrevista de Daniela Bousso:
"Matarazzo não quis negociar"
"Tenho uma visão bastante diferente do Matarazzo. Acontece que as instituições culturais brasileiras são muito frágeis. E o são porque sofrem com a descontinuidade de seus projetos e programas a cada governo. As organizações sociais de cultura foram criadas para evitar que, quando houvesse mudanças políticas, ocorresse descontinuidade. Elas vieram, teoricamente, para garantir a continuidade, principalmente nas viradas e mudanças de governo. Obviamente, o Matarazzo vai defender a seguinte ideia: de que a política pública, ou seja, a Secretaria de Cultura, tem que dar as diretrizes. Concordo totalmente, só que tem um detalhe: tem que dar as diretrizes, mas têm que ser feito os ajustes a determinada missão ou projeto. No caso do Andrea Matarazzo, não há essa consideração. Não há, da parte dele, a disposição em negociar esse ajuste. Ele quer que o MIS mude de foco, e ponto final."
"MIS não tinha um público de 80 mil por ano no início dos anos 90"
"Ele não leva em conta que foram feitas benfeitorias em ciência e tecnologia no MIS e não reflete sobre a sua implantação em tempo recorde, a readequação de espaços, a reorganização de seu acervo, bem como a sua digitalização e a implantação de projetos. Não tem visão dos programas, nem o timing de implantação de cada coisa. O que ele persegue é o seu desejo pessoal e se esquece da coletividade. Não percebe como este projeto é importante para o Estado de São Paulo e para o Brasil e repete o que todo político brasileiro faz: só leva em conta seus desejos pessoais. Ninguém mais aguenta isso. Com o discurso subliminar, ele diz querer que o MIS volte ao brilhantismo dos anos 80 ou 90. Diz que quer fazer o MIS bombar. Só não diz como. Agora, o que é que fez o MIS 'bombar' na passagem dos anos 80 para os anos 90, até 1993, nos seus tempos áureos? Os anos 80 eram um outro momento. O Brasil vivia seu momento de desbunde cultural, havia, de certa forma, o renascimento de utopias, do ponto de vista político. Vernissages tinham 200 a 300 pessoas, no máximo. Naquele momento, isso era considerado um sucesso de público, mas não tinha um público de 80 mil por ano, tudo era uma escala muito menor. Se você fazia a exposição de um fotógrafo, vinha todo mundo do meio da fotografia. Mas, quanto é, em termos numéricos, esse 'todo mundo da fotografia'? No início dos anos 90, não existia também o trabalho massivo de visitas orientadas para as escolas."
"Conteúdo não é hermético"
"Ele faz uma comparação com tempos que são diferentes. Na passagem dos anos 80 para os 90, o trânsito em São Paulo era mais ameno. Hoje, o trânsito é infernal. Eu levo em conta os dados de pesquisas de público realizadas no MIS. Por que o MIS ainda não tem mais público? Eu diria duas coisas. Não é o "conteúdo hermético" a que ele se refere. As pesquisas de público indicam que quem vem, adora. O conteúdo não é hermético, é interativo. Fizemos exposição com grandes nomes, tais como Pipilotti Rist, Miguel Rio Branco, além dos jovens. Então, não é o conteúdo hermético. Você tem metrô na (avenida) Consolação com a (avenida) Paulista e você tem metrô na Rebouças com a Faria Lima, está certo? Entre esses dois pontos, está o MIS. A descida da Rua Augusta é, absolutamente, um horror de tanto trânsito. Não temos um metrô na porta, como na Pinacoteca do Estado, e tampouco temos um museu temático como o Museu do Futebol."
"Matarazzo promove um retrocesso de 30 anos"
"Quando ele fala da vanguarda, não sabe nem o teor da palavra que está citando. A vanguarda foi nos anos 1920, vem do Modernismo, quando ocorreram as vanguardas históricas. Entre os anos 1945-1970, vieram as vanguardas artísticas. E agora, temos o quê? Arte contemporânea. Ponto final. Inovação é a palavra-chave da contemporaneidade. Matarazzo está equivocado e promove um retrocesso de 30 anos ao querer que o MIS se volte somente para a fotografia e o cinema. Isso é um absurdo, até porque temos várias instituições com acervos fotográficos em São Paulo e a Cinemateca voltada apenas para a área de cinema. Esta é uma sobreposição que desperdiça dinheiro público e que enterra o desenvolvimento da inovação e da tecnologia na arte. Mas, se você checar direito, entre agosto de 2010 e março deste ano, nós fizemos quatro exposições de fotografia. Quatro exposições de fotografia em seis meses! Então, é tudo desculpa pra boi dormir. Se você for ver a mostra de cinema que está sendo organizada aqui pelo futuro diretor (André Sturm), os números de público são risíveis. As sessões de cinema têm tido 0,5 pessoa por sessão. Numa Sunset Party, levamos três mil pessoas para o MIS. Nossa equação é outra."
Exposição "90 em Folha"
"É uma curadoria do secretário (Andrea Matarazzo). Agora nós temos secretários curadores, que cedem espaços públicos para veículos de comunicação por 90 dias. Como num passe de mágica, transforma-se um jornal num veículo chapa-branca. E aí vai uma pergunta: estando uma exposição no MIS por 90 dias, a 'Folha de S.Paulo' teria isenção para analisar esta crise promovida pelo nosso secretário?"
"Público se fidelizou"
"Tínhamos R$12 milhões para o Paço das Artes e para o MIS. A partir do começo de 2011, era o momento de investir em comunicação, porque até agora só tínhamos trabalhado na infra-estrutura. Aí o Matarazzo corta 30% do orçamento e exige que tenhamos o mesmo público da Pinacoteca. Outro equívoco: o MIS e o Paço das Artes tratam de arte contemporânea de ponta e esses conteúdos são mais lentos em termos de assimilação. Mas isso não quer dizer que tenhamos que privar a população de ter acesso a esse conteúdo inovador. Se São Paulo não puder bancar este tipo de conteúdo cultural, Matarazzo ficará marcado na história por ter impedido, por ter vetado à população paulistana e ao Brasil a possibilidade de acessar a cultura de ponta. Em 2008, trabalhamos só no segundo semestre. Abrimos em agosto e tivemos 13 mil. Em 2009, 51 mil pessoas. No ano de 2010, 80 mil pessoas. Ora, o que isso significa? Houve um crescimento gradual e fidelizado. E assim que deveríamos continuar se Matarazzo não tivesse promovido tal impeachment."
"Como contratar sem entender a arte contemporânea?"
"O MIS é um espaço que tem funcionado como continuidade dos medialabs das universidades. Os jovens terminam a universidade e as escolas dizem a eles que não podem mais trabalhar dentro delas, senão faltará espaço para os novos alunos. Para onde eles vão? Para o MIS, que abriga e promove as artes com as mídias digitais. O que diz André Sturm ao conselho do MIS na sua entrevista de trabalho? Diz que, sinceramente, não entende nada de arte nem de novas mídias. E o que diz ao conselho quando lhe perguntam como trabalhará no MIS, se não entende de artes nem de novas mídias? Ele responde que contratará pessoas. Outra conversa pra boi dormir. Com que critério ele contratará, se ele não entende de arte contemporânea e novas mídias? Portanto, o projeto do MIS está fadado a desaparecer pela falta de uma ação competente para sua especificidade. E isso não tem nada a ver com gestão. Logo, podemos deduzir que ele vai contratar mal."
O acervo
"O acervo do MIS ainda não pode ser visto, porque, como a reserva técnica estava sendo construída, até o final do ano passado, os filmes e obras foram para um depósito climatizado para evitar fungos. O acervo não podia ser visto porque estava embalado em depósito. O acervo acabou de voltar, mas ainda não pode ser visto porque está sendo inventariado e tem que passar por conservação, higienização e restauro para depois ser pesquisado. Será que o próximo diretor vai querer passar um filme sujo, cheio de fungos? E é isso que pretendem levar para o interior de São Paulo? Pobre interior..."
"Sofremos de descontinuidade e de ignorância"
"Meu sentimento é de pesar. Mas é esse País que a gente tem. Moramos no Brasil e aqui sofremos de descontinuidade e de ignorância. É péssimo, fico super triste. Quando eu penso quantos jovens têm aproveitado e demandam o que o MIS têm oferecido... Além da importância desse projeto e do seu ineditismo pro Brasil, quero ressaltar o quanto é importante que a atividade cultural permaneça nas instituições, fortalecendo-as, ao invés do marketing raso de políticos que só pensam nos seus desejos pessoais. Cada vez mais, entendo que a cultura precisa ser gerida por gente da área cultural e não por marqueteiros ou políticos."