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maio 31, 2011
Histórias de bordados íntimos e pessoais por Júlia Lopes, O Povo
Histórias de bordados íntimos e pessoais
Matéria de Júlia Lopes originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O POvo em 30 de maio de 2011.
Costuras de linhas e de histórias no espaço Dança do Andar de Cima começam hoje: a desenhista e bordadeira Simone Barreto inicia oficina em que entrelaça técnica e conceitos, apresentando trabalhos de artistas como Arthur Bispo do Rosário, Leonilson, Nice Firmeza, Rosana Palazyan e Família Dumont, ao mesmo tempo em que oferece agulhas e linhas para o grupo. É através das habilidades da mão que ela discute artesanias e sua força dentro da arte contemporânea. A oficina vai até quinta-feira, sempre às 16 horas.
São as mãos, aliás, ponto inicial para todo o curso. “Já fiz essa oficina duas vezes aqui e uma no Acre”, contou Simone ao O POVO, no final de tarde do último sábado. No Acre ela esteve por conta de residência artística na cidade do Quinari, onde construiu, com um grupo de mulheres seringueiras, biografias bordadas de imagens e histórias. Na casa de uma amiga, na Praia de Iracema, de frente para o mar, ela descreveu as mãos das mulheres acreanas. “Elas nunca tinham bordado antes. Não tinham tido nem contato com lápis. Imagina: elas eram seringueiras. Foi uma semana de oficina só pra elas se acostumarem a pegar num lápis”. Processo mais demorado, cuidados mais atentos com cores e formas.
“Em um momento a gente tentava descobrir na floresta, porque o lugar era bem no meio da floresta, as cores que estavam na escala cromática”. E quando encontravam, era um alvoroço. No Ceará, é tudo bem diferente. Aqui a prática está enraizada no sertão e na praia, as mãos muitas vezes já trazem certa prática, é preciso apenas reavivar aquela habilidade. E as descobertas são outras. “As mais senhoras se reconhecem nos trabalhos da Nice (Firmeza)”, conta Simone, que ensinou a própria mãe a bordar. “É um reconhecimento que ativa o dispositivo da fala. Elas se sentem mais à vontade, se soltam mais. Falam do lugar onde elas estão”.
No decorrer da oficina, ela estimula sempre a feitura de bordados mais íntimos, e, se possível, até, levar uma imagem que sirva de inspiração. “Lembro da dona Maria, do Poço da Draga, que quis bordar o cachorro dela porque disse que era seu grande amigo e queria fazer uma homenagem”. As muitas subjetividades podem encontrar paralelo nos artistas apresentados. Leonilson, por exemplo, apesar da técnica não tanto apurada, explora as muitas vozes do eu. Arthur Bispo do Rosário, primeiro “bordador-artista” explorado pela Simone, que se iniciou na prática sozinha, chama atenção pela palavras tão belamente desenhadas. “É palavra, é desenho. É como se fosse um diário”.
Contextualização
Logo depois da II Guerra Mundial, artistas de diversos lugares, como os Estados Unidos, a Europa, o Japão, se relacionaram com suportes mais duros e com ações mais tencionadas: eles rasgavam, rompiam, torciam madeira, ferro, vidro. Ou usavam de elementos modulares, traziam impessoalidade nas peças e imagens – como na pop art, exemplificada nos retratos multicores de Marilyn Monroe. Nos dois casos, é fácil identificar a lógica industrial fundamentando as ações artísticas sobre o mundo. No Brasil, nem sempre: aqui linhas de costura, desenho, bordado, é que se sobressaíram. A lógica era outra: a pré-industrial. Enquanto bordam, costuram, desenham, esses artistas propõem outra forma de estar no mundo: não agindo sobre ele, mas com o mundo.
SERVIÇO
OFICINA DE BORDADO COM SIMONE BARRETO
Onde: Dança do Andar de Cima (Rua Desembargador Leite Albuquerque, 1523, Papicu)
Quando: Entre os dias 31 de maio e 2 de junho, sempre às 16 horas
Inscrições: dancanoandardecima@gmail.com
entenda a notícia
Com um grupo de amigos, Simone Barreto abriu o Dança no Andar de Cima, onde concentra espaço expositivo, salas para oficinas e escritórios de design. A ideia inicial é deixar o lugar aberto para propostas.