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maio 27, 2011
Lygia Pape ganha mostra na Espanha por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Lygia Pape ganha mostra na Espanha
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 27 de maio de 2011.
Exposição com 250 trabalhos no museu Reina Sofía, em Madri, é a maior retrospectiva da artista na Europa
"Livro do Tempo", que ocupa uma sala inteira do local e mostra uma obra para cada dia do ano, é um dos destaques
Lygia Pape (1927-2004) pensava arte como uma questão de pele. Se a ideia não coubesse na superfície da tela, era preciso avançar para o espaço.
Uma das pioneiras na arte que se desmaterializa, ao lado de Hélio Oiticica (1937-1980) e Lygia Clark (1920-1988), Pape partiu de investigações obsessivas da forma geométrica para injetar uma dimensão carnal às obras.
Isso fica claro nos cerca de 250 trabalhos da artista que o museu Reina Sofía, em Madri, expõe agora na maior retrospectiva já dedicada a ela na Europa.
Esse recorte depois deve percorrer o mundo em versão reduzida, indo para a Serpentine Gallery, em Londres, o New Museum, em Nova York, e encerrando a turnê na Pinacoteca do Estado, em São Paulo.
Num paralelo com a evolução da obra de Oiticica, que abandona seus "Metaesquemas" bidimensionais para criar seus "Relevos Espaciais", placas que flutuavam no espaço, Pape também vai além da forma abstrata.
No Reina Sofía, a mostra começa com quatro telas a óleo feitas pela artista em 1953, mas logo avança para um "Poema Luz", chapas translúcidas de cor que fazem versos flutuar no ar.
Outros trabalhos, numa escalada rumo a 1959, quando foi lançado o manifesto neoconcreto, viram uma espécie de esboço para o movimento, que se livra da execução maquinal das formas e descamba para o desbunde estético da performance.
Não sem antes realizar uma enorme série de xilogravuras em que explora, além do geometrismo que pautou os concretistas, também os veios da madeira.
São trabalhos que exacerbam a pele do material, exaltando a matéria-prima que permite forjar seu encaixe de formas.
PELE
Quase uma década depois, a experiência se radicaliza e a pele da obra se estica em ações como "Divisor", em que Pape estendeu um enorme pano branco sobre uma multidão, deixando pequenos buracos para as cabeças.
"Não há obra, somente o desdobrar-se em mil rotas, insuflar de ar juntos a nossa pele imensa", escreveu Pape sobre o trabalho. "É o corpo seguindo uma arquitetura."
Da mesma forma, "Roda dos Prazeres", performance também de 1968, mostrou Pape no meio de bacias de pigmento. Ela prova cada uma das cores, como se deglutisse a pintura, tingindo a língua com um conta-gotas.
Pape queria estar na obra, dilatar seu tempo. Mesmo antes das performances, a artista criou uma espécie de arsenal de ideias, que chamou de livros, para explicar seus objetivos.
No "Livro do Tempo", que ocupa uma sala inteira do museu, Pape mostra uma obra para cada dia do ano, dispostas numa enorme constelação plástica.
Mas o sol parece ter ficado para a última sala da exposição, em que os raios dourados de sua "Tteia"", uma instalação monumental de fios metálicos, têm o impacto de uma tempestade solar, raios que aparecem e desaparecem numa vibração tátil contra a escuridão.