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maio 23, 2011
MIS para pessoas por Malu Andrade e Lara Alcadipani
MIS para pessoas
Leia também as matérias e respostas que compõem o Dossiê MIS e Paço das Artes: A morte anunciada de um modelo de gestão.
Em 17 de maio de 2011, o atual Secretário da Cultura do Estado de São Paulo, Andrea Matarazzo, afirmou ao Caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo : “nossa ideia é aproximar o MIS das pessoas.” Mais adiante, no mesmo depoimento, ele sugeriu possíveis razões para o afastamento do público daquele espaço: "O MIS tem esse aspecto de vanguarda, sempre teve, mas hoje está um pouco restrito demais às novas mídias, quando na verdade não precisaria perder a sua origem, que é a de ser um Museu da Imagem e do Som".
Outro ponto crucial e que lança luz sobre o raciocínio empregado pelo Secretário em sua gestão e apontado durante sua entrevista deve ser mencionado aqui. Para Matarazzo "a fotografia se popularizou muito e poderia ser explorada melhor no MIS. O mesmo vale para os filmes e vídeos." E vale também para os jornais, que reúnem várias linguagens "que se encaixam perfeitamente no MIS (...) É uma das coisas que a gente pretende no MIS. Não que ele abandone a vanguarda nem as novas mídias, mas que ele volte às suas origens e que amplie o seu público."
Pois bem. A vanguarda, à qual o Secretário se refere, manifesta-se em pesquisas e trabalhos cuja essência está na hibridização das linguagens artísticas, na fronteira ampla e porosa entre os suportes tecnológicos - como a fotografia, o cinema, o vídeo e a hipermídia. Se a proposta feita pelo Secretário é voltar às “origens”, então qual é a grande mudança? Vale lembrar que todas as linguagens e formas de expressão artísticas são decorrentes e complementares umas das outras. Pois a fotografia nasce da pintura; o cinema acrescenta movimento à fotografia; o vídeo amplia e transforma a linguagem cinematográfica; as artes visuais se apropriam do cinema e modificam sua estética de forma marcante desde a década de 1960. Por fim, em resumo, todas as frentes de expressão artísticas se retroalimentam, constantemente, num exercício de apropriação e ressignificação necessário ao caráter reflexivo, questionador e inquieto da arte.
Com a era da computação, dos softwares e da internet, a informação é popularizada e catapultada a centro dos relacionamentos entre os humanos e de humanos com o ambiente que os cerca. Um novo paradigma é estabelecido. A rede, a nuvem de informação nos conecta via computador, tablets e dispositivos móveis. Nossa maneira de ver, ouvir, produzir, nos relacionar é a mesma do começo do século XX? Não.
Num ritmo cada vez mais veloz, participamos de mudanças de grande impacto em nosso cotidiano. Quer dizer, participamos agora, se escolhermos dizer sim à nossa vocação de agentes, nos envolvendo em pesquisas, debates e trabalhos dispostos a dialogar sempre com as novas mídias de maneira propositiva. Caso contrário, seremos engolidos passivamente, operando apenas como a ponta final desse sistema - meros consumidores de tecnologia, inebriados por seu feitiço imagético encantador.
A “origem”, mencionada pelo senhor Secretário como uma musa-mãe, é bastante difícil de indicar, já que sua existência é construída sempre social e culturalmente. Podemos tentar nomear o cinema moderno de narrativa clássica e sonoro, por exemplo, como “a” origem. Plano, contraplano, plano sequência, profundidade de campo, a câmera como personagem e som! Imagine se na época em que um Fritz Lang, um Orson Welles ou um Fellini estivessem pesquisando a linguagem do cinema fossem limitados pela obrigatoriedade de encher salas de cinema. Se deixassem sua gana de lado porque alguém lhes disse: “nao, não. O público não está acostumado com isso! Cinema para eles é o que foi feito na origem: câmera estática, película muda e em preto e branco”.
O MIS São Paulo deveria ser motivo de orgulho por abrir espaço e investir em pesquisa em novas midias; por dar espaço e incentivar a arte contemporânea na vertente mais pulsante do século XXI : as estéticas tecnológicas. Com esse discurso, o Secretário parece querer jogar fora a criança junto com a água do banho.
A falta de público que acomete a instituição não pode ser creditada ao nível de sua programação. Uma programação excelente, com ótimas exposições, grandes palestrantes, oficinas do LABMIS espetaculares, tudo com a presença e esforço de profissionais renomados. Só para mensurar os feitos dos últimos dois anos, a instituição recebeu, entre outros, Pipilotti Rist, Gary Hill, FLUXUS, Roj® e muitos outros. Em qual outro museu do mundo encontraríamos tal grade de programação? Talvez em Nova York ou Berlim, onde existem muito mais aparelhos culturais e com melhores infraestruturas.
Trazer o público ao MIS é sim uma necessidade urgente e que não deve ser tomada como tarefa das mais simples. Entretanto, isto não deve ser motivo ou justificativa para transformar o espaço num museu que usa da tecnologia como mero suporte técnico ou recurso discursivo para a reprodução de um modelo retrógrado, transformando o espaço em acervo e vitrine da grande e velha mídia brasileira.
Ao invés de aprisionar o visitante no conformismo, no “mais do mesmo” como pretende a Secretaria de Cultura, é necessário instigá-lo a conhecer coisas novas, a expandir seu repertório e a compreender a importância do investimento em pesquisa e novas linguagens. Se um garoto de 15 anos nunca for instigado a ver uma apresentação de videomapping, como ele poderá saber que, primeiro, tal coisa é possível, segundo, vir a apreciar e se interessar, modificando a sua relação com o mundo? Se o museu der a este garoto apenas o que ele já está acostumado, qual a importância de sua visita? Números? Queremos mais do que números, Secretário! Queremos um MIS para pessoas, sem negação de sua vocação vanguardista.
O MIS pode e deve ampliar sua parceria com escolas de ensino médio, tanto públicas quanto particulares, investindo em projetos a longo prazo, como oficinas e acompanhamento do setor educativo por instituições e organizações, na formação de pessoal cada vez mais capacitado a fomentar novos visitantes. A programação de palestras deve levar em conta horários mais viáveis para seu público-alvo, como universitários e jovens em formação, sendo deslocada talvez para os fins de semana e não para as noites durante a semana, como é no momento. Já existem bons parceiros como Senac, Kinoforum, Academia Internacional de Cinema, entre outros, só são precisos esforços para ampliar cada vez mais o número de interessados.
No site do museu há a informação que o acervo está para ser digitalizado. Deveria ser investido pesadamente numa plataforma multimídia para democratizar o acesso, incentivar a pesquisa e oferecer retorno imediato a tudo que o MIS já possui. Com o Plano Nacional de Banda Larga o acesso será ampliado e uma verdadeira rede entre instituições culturais, universidades, pontos de cultura, bibliotecas e ONGs pode ser criada.
Além disso, chegar ao MIS não é tarefa simples: existem poucas linhas de ônibus (Pinheiros, Butantã, Cidade Universitária - linhas estas que já demonstram, inclusive, um perfil de público possível, mas que se utilizam da avenida Europa apenas como via de passagem). O prédio, embora tenha passado por reformas recentes, ainda é um espaço frio e pouco convidativo ao convívio e permanência. Parecem detalhes, mas estes são alguns dos graves impecilhos para que o publico descubra e se aproprie do espaço.
É necessária uma ação pontual por parte do governo e que, diante de todo o esforço que o Secretário aparenta estar disposto a fazer, é bem simples. Micrônibus aos finais de semana poderiam ser disponibilizados, ligando regiões estratégicas, como a estação Consolação do metrô ou o Parque do Ibirapuera, ao MIS.
Este é um momento crucial para o MIS. Se a disposição demonstrada pelo Secretário em atrair público para o espaço for mesmo séria, pedimos que ele a faça como manda o regime democrático que o colocou nesta posição: com debate e rodada de conversas com o público, artistas, educadores, outras instuições, representantes da sociedade civil e formadores de opinião.
Não façamos do MIS mais um museu de cenografia suntuosa, midiático - no sentido mais raso que o termo pode ter -, amparado pelas pirotecnias tecnológicas e pobre em reflexão e inovação. Não vamos usar a necessidade da formação de público como pretexto para uma castração cirúrgica da vocação de um dos espaços mais importantes do país quando o assunto é arte e tecnologia. Pedimos, agora mesmo e sem demora, que o Secretário da Cultura do Estado de São Paulo, Andrea Matarazzo, abra espaço para o debate e coloque a mão na consciência para os rumos que dará ao MIS, a partir do poder que lhe foi concedido pela sociedade.
Malu Andrade é produtora cultural. Lara Alcadipani é jornalista. Ambas são pós-graduandas em Estéticas Tecnológicas pela PUC-SP.
Abrir um Museu, é abrir o pensamento, ampliar conceitos e debates, parcerias e tantas ações que permitam entender um museu no sentido mais amplo e contemporâneo possível.
Posted by: Paula Caetano at maio 23, 2011 2:28 PMCopio abaixo um comentário que postei no facebook do secretário de Cultura: Prezado sr. Andrea, li hoje sobre a polêmica em torno da direção do MIS, o que não pretendo discutir, mas para mim, o mais maluco de tudo, é a perspectiva de mudança absoluta no perfil que o MIS vinha adotando, de discutir arte contemporânea e novas tecnologias, para atuar no campo do cinema tradicional. Não que isto não seja válido, mas será que para ter volume de gente visitando o museu é preciso retroceder, acho que seria possível equacionar as várias formas de linguagem audiovisual. O sr não acha? E pq então se investiu tanto na infra-estrutura do museu para abrigar manifestações artistícas no campo da arte e tecnologia, este investimento será jogado fora??? E qual instituição fará o papel de discutir arte e tecnologia, afinal, esta é uma questão inerente à contemporaneidade, não? Aproveito para lembrar que, além de seu papel de vanguarda, o MIS tem realizado também festivais de fotografia, digamos, mais tradicional, e que atraem um público significativo, além de sessões de cinema de ótima qualidade, e de exposições de fotografia como a do fotógrafo Miro. Fico aqui pensando se a idéia não é transformar o MIS num Belas Artes (que é um espaço incrível e importante, mas acredito que o foco do MIS seja outro, e mais amplo!)Proponho então que não fiquemos restritos à uma discussão de caráter virtual. Acredito que esta seria uma excelente oportunidade de excercermos a democracia discutindo este assunto no auditório do MIS, com a presença do secretário de Cultura, da direção do MIS, do público em geral, de estudantes de arte e comunicação (entre outros)e de convidados que atuem tanto no campo da linguagem tradicional, como fotografia/cinema/video, quanto no campo do hibridismo, que abrange estas linguagens inter-relacionadas na composição de trabalhos artísticos que extrapolam os limites da linguagem tradicional. Debater seria uma iniciativa muito mais enriquecedora...
Posted by: patricia at maio 23, 2011 2:57 PMrarxs,
Gostaria de convidar a todxs a participarem do evento OvO que encerra o festival Conexões Sonoras no Domingo dia 12 de Junho, último da atual administração do MIS.
Pedimos que nos contatem para organizarmos uma mesa de discussão sobre museu e arte na entrada da instalação.
Se acharem válido, divulguem e convidem amigxs artistas a virem participar conosco. Nos encontramos no local às segundas no período da tarde.
http://www.facebook.com/event.php?eid=193517767360626
Caso eu possa colaborar de mais alguma maneira me contatem,
Posted by: Felipe Ribeiro at maio 23, 2011 8:20 PMPois é Patrícia, rever as competências e aderências as questões culturais já seria um bom começo por parte do governo... Arte contemporânea para essas pessoas é um bicho de sete cabeças, o que é natural... O que não justifica a ignorância pública, poxa vida é só perguntar, se informar, pesquisar, estudar... (é o que penso particularmente)...
Posted by: Roberto Silva at maio 25, 2011 3:22 PMNada justifica a falta de visão e compreensão do que significa a realização de um espaço aberto às Artes tecnológicas com a qualidade que o MIS vinha realizando.
Muito menos substituir um nódulo agregador da arte produzida e dos artistas da área e, ainda, espaço conector com a produção internacional mais relevante -portanto, uma conquista nacional, para um espaço vinculado a difusão do cinema( e falo como filha de crítica de cinema- a falecida crítica do jornal O Estado de São Paulo e muitas vezes colaboradora da Folha de São Paulo, Ida Laura) e de propaganda de empresas jornalísticas. Algo assim como uma Cimemateca diminuida( e falo aqui com o maior respeito pelo trabalho desta instituição)e de difusão- algo como um cineclube.Venhamos e convenhamos, isso é muito pouco para o próprio CINEMA(HOJE DENOMINADO AUDIOVISUAL EM QUALQUER ESCOLA QUE MEREÇA CRÉDITO, OU ENTÃO IMAGEM E SOM- O QUE INDICA NA PRÓPRIA CONCEPÇÃO DA ÁREA - A EXISTENCIA DE UM CAMPO ALARGADO DE ATUAÇÃO).A hibridização com as novas tecnologias é notória e observamos um campo espraiado de realização de imagem- e som- em movimento. Também pouco,des-honroso, senão tristonho, frente ao que se fazia inclusive para a cultura da imagem em movimento -pela atual gestão do MIS.
Qualquer pessoa relativamente bem informada sobre o cinema e a arte da imagem em movimento sabe que este campo alimenta-se do front da imagem digital, do vídeo e das entre-imagens hoje conexas as Artes Visuais. Diria que o Audiovisual , as Artes Visuais e o Cinema, assim como a fotografia, transitam e confluenciam-se mutuamente,hoje.Nada justifica, pois orientar uma instituição por um nicho de gênero, mas sim, tratar de alargar fronteiras, evidenciando a porosidade na qual trafega a Arte Contemporânea. Há que se sublinhar ainda, que politicas culturais são e devem ser definidas por gente da área e que tal falta de visão pode indicar apenas e tão sómente falta de conhecimento do campo cultural e da área de Artes e do Audiovisual. Esperamos que tal decisão seja revertida e que a discussão sobre os destinos do MIS saia dos GABINETES para encontrar seu real destino: os que produzem arte.