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maio 4, 2011
Debret retrata vastidão do Sul do país por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Debret retrata vastidão do Sul do país
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de maio de 2011.
Numa série pouco conhecida de aquarelas, artista que integrou missão francesa vai além da crônica da corte
Composições revelam talento colorístico do autor e o surgimento de um olhar mais moderno lançado às paisagens
Longe da vida na corte, de senhoras abastadas e mucamas que se arrastam pelo chão, o francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) retratou um Brasil vasto e vazio, num conjunto de aquarelas até agora quase desconhecido.
Historiadores divergem se esses trabalhos do começo do século 19 foram fruto de viagens para o Sul ou se suas vistas de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul foram reinterpretadas de desenhos de terceiros.
Mas não importa. Nas obras agora reunidas na Caixa Cultural, Debret, que integrou a missão francesa ao Brasil, surge como um colorista virtuoso. Suas paisagens destoam da mera catalogação que marcou boa parte de sua obra e vão muito além do pendor tímido de suas pinturas neoclássicas.
No meio dos descampados, orlas brilhando num sol difuso, Debret arriscou até mesmo toques modernos em suas composições. Uma vista de Florianópolis corta sem dó os mastros dos barcos, o mesmo enquadramento fotográfico que marcaria mais tarde as obras de artistas impressionistas como Degas.
Também retrata uma igreja vista de costas, invertendo a reverência aos ícones católicos e arriscando um olhar atípico sobre as vilas do Sul.
"Ele parece sempre olhar de longe, de cima, como se estivesse num mirante", observa a curadora da mostra, Anna Paola Baptista. "Existe essa amplidão, enquanto no Rio ele é o artista que se confunde com a vida da cidade."
Tanto que algumas de suas aquarelas do Rio vão além da ilustração de cenas de costume e se tornam crônicas ácidas da vida na corte.
Numa delas, Debret mostra uma senhora branca sentada num banco com suas escravas no chão, algumas delas com feições animalescas. Atrás dela, um chicote aparece encostado na parede.
Noutra obra, o artista mostra o porão de uma casa de ricos, expondo a arquitetura de segregação que regia a corte. "Ele vem da França iluminista e chega a uma sociedade muito diferente", resume Baptista. "Debret é a memória que ficou dessa época."