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abril 28, 2011
Sofia Borges investiga a natureza de imagens fixas por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Sofia Borges investiga a natureza de imagens fixas
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 28 de abril de 2011.
Artista recupera fotos antigas numa reflexão sobre a construção do real
Fotógrafa faz individual na galeria Virgilio agora em São Paulo e tem obras em outras três exposições em cartaz
Sofia Borges inventava narrativas torpes em fotografias que pareciam pinçadas de um teatro absurdo. Ela mesma aparecia, os olhos verdes à espreita, em cenas suspensas, como se antes ou depois de um evento que ficava sempre além do quadro.
Nas primeiras obras que fez, a artista retratava cada objeto e personagem em condições de luz e velocidade distintas, anulando espaço e tempo reais em nome de uma fantasia agreste e calculada.
Suas novas imagens, espalhadas agora por quatro exposições, três em São Paulo e uma em Porto Alegre, voltam a pensar a fotografia não como índice do real, mas uma plataforma de construção.
Importa menos o assunto do quadro e mais o grão da imagem, os alicerces dessa construção. Quase afoga o objeto retratado, seja um almirante naval nos anos 40 ou um camelo no zoológico hoje, na textura da fotografia -linhas da impressão, o pó do negativo, falhas digitais.
Sai de cena o teatro de antes para dar lugar a um movimento quase pendular entre dentro e fora do quadro, uma imagem fixa e sua substância que brigam no mesmo plano.
Borges abandona a força da fotografia e mergulha em texturas sedutoras, como se buscasse o gesto da pintura, o grão do pigmento equiparado às transformações químicas de um quarto escuro.
"Essas coisas mais se apresentam do que se aprofundam, tudo se mostra, mas nada vai além", diz Borges, 27.
"São fotos para desestabilizar a leitura, deslizantes, que não se encaixam muito."
Na galeria Virgilio, onde faz agora uma individual, ela se apropria de uma imagem de duas pepitas de ouro, uma bruta e outra polida, que encontrou numa enciclopédia.
É como se desse ali a base para o percurso de ida e volta na arquitetura de suas imagens, do estado bruto ao lapidado.
Um garoto observando um cenário de bichos pré-históricos no Museu de História Natural de Nova York, imagem dos anos 40 fotografada agora, também dá a dimensão de construção em curso, como se importasse menos o autor da foto e mais seu contexto.
VINTAGE INSTANTÂNEO
Nesse ponto, Borges não está distante da onda vintage que varre o cenário da fotografia contemporânea, com filtros instantâneos até nos celulares para dar cara de anos 70 a flagras furtivos da balada ou da fila do banco.
Mas parece atravessar essa sintonia aparente buscando raízes nas convenções da pintura, ancestral da imagem fotográfica que volta a ganhar valor em tempos de Photoshop instantâneo.
Numa mostra que abre no Rio, no mês que vem, por exemplo, ela recorta pedaços da paisagem construída de um museu de história natural, reconfigurando tudo à luz do pré-impressionismo.
"Eu amoleço ou endureço as fotos, deixo que escapem", resume a artista. "Pego o material bruto, amoleço e tiro da narrativa possível."