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abril 11, 2011
Tatiana Grinberg oferece placebo artístido no MAM por Suzana Velasco, O Globo
Tatiana Grinberg oferece placebo artístido no MAM
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 9 de abril de 2011.
Público da mostra que o museu inaugura hoje poderá experimentar um aparelho que transmite sons pela boca
Como nas experiências médicas, o efeito do placebo de Tatiana Grinberg depende da disposição do usuário para sentir seus efeitos. O falso remédio vem envolto por um molde descartável de silicone, parecido com os usados em aplicações de flúor nos dentes. Quem quiser tomá-lo pode ir ao Museu de Arte Moderna (MAM), a partir de hoje, às 16h, e testar sua eficácia até o dia 5 de junho, nos limites do foyer do MAM. É só pôr o molde na boca. Os efeitos colaterais esperados são falas fragmentadas de um homem sobre sensações do corpo — sons ouvidos por meio de uma transmissão óssea de vibrações.
— É uma voz, mas não há uma narrativa. Você pode levar um tempo até ouvir o que se diz, pode demorar. Temos que nos calar para ouvir o outro — diz a artista. — A técnica não é novidade, é usada por pessoas sem audição que perderam o ouvido externo, mas não o nervo. Meu interesse é chamar a atenção para esses sentidos que a gente não nota.
São dois minutos, em loop, da voz captada por Tatiana numa entrevista de duas horas, e editada por ela. A artista tem mais sete entrevistas como a que deu origem ao trabalho, com pessoas que vivenciaram experiências extremas com o corpo, como operações e falta de sensibilidade, e ainda planeja fazer mais, para usar em outros projetos. Tatiana começou a pensar na obra em 2002, mas só em 2008 conseguiu os recursos para torná-la real, num edital da Secretaria estadual de Cultura. Com os R$40 mil do patrocínio, ela pôde montar uma equipe com fonoaudióloga, engenheiros, designers e técnicos de som. E finalmente apresentar sua experimentação artística como parte da mostra “Placebo”, que o MAM inaugura hoje.
O projeto só foi para a frente com o apoio do Instituto Nacional de Tecnologia, que executou cinco aparelhos. Eles serão alternados em dois mil invólucros de silicone, que, na boca dos visitantes, vão captar os sons por meio de um transmissor FM localizado no foyer. Apesar de dar nome à mostra, o “Placebo” é parte de um conjunto de peças que segue esse princípio de deslocar os sentidos e pensar em sua memória corporal. Frequentemente, a artista usa o próprio corpo para criar. Uma das obras da exposição, “Cálculos” é composta por espécies de conchas de porcelana espalhadas pelo chão, feitas a partir do molde da mão da artista sobre as partes de seu corpo. Outra delas, “Musa”, é formada por duas cuias de plástico com um gel de alta viscosidade, no qual se pode colocar as mãos. As impressões no gel, porém, somem em 25 segundos.
— De um lado, há essas formas congeladas. Do outro, uma impossibilidade de guardar a memória do corpo. Um é osso, o outro é um corpo-pele — diz Tatiana, que não gosta da palavra interação para definir seu trabalho. — Em algumas obras se toca, em outras não. A gente tem que confiar um tanto no instinto para saber no que mexer.
Desde que começou a estudar gravura, com 12 anos, Tatiana já tinha um interesse forte pela materialidade, e se preocupava em experimentar novas técnicas de impressão — que se transformaram no que hoje ela chama de “pequenos dentro fora”, de “corpo sobre corpo”. Em meados dos anos 1990, a artista começou a trabalhar com áudio, mas já interessada em suas relações com o espaço.
— Quis falar do espaço através do corpo, pensar nele como um abrigo não sufocante — diz a artista.
Som e corpo
A união de som e corpo está em outras duas obras da exposição, além de “Placebo”. Em “Apertos”, objetos feitos de látex branco emitem frases — também retiradas das entrevistas de Tatiana — quando as pessoas se aproximam, ativando um aparelho eletrônico. Em “Amasso”, sons que saem de um objeto são captados por outro, no próprio momento da exposição, sem gravação prévia. Além de desenhos e escritos que acompanharam a evolução do projeto “Placebo”, Tatiana expõe ainda “Espaço em branco entre quatro paredes”, uma grande caixa com buracos nos quais as pessoas podem pôr os dedos, as mãos, os braços ou quase o corpo todo, e que deu origem ao espetáculo de dança “Falam as partes do corpo?”, criado numa parceria com a coreógrafa Dani Lima, em 2003. No interior iluminado, podem-se ver formas pintadas de negro. Mas o espectador tem que optar por olhar ou se movimentar:
— Se você põe seu corpo, não consegue mais ver nada. Você precisa fazer uma escolha.