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março 24, 2011
Direitos autorais: após polêmica, projeto de lei sofre modificações por André Miranda e Natanael Damasceno, O Globo
Direitos autorais: após polêmica, projeto de lei sofre modificações
Matéria de André Miranda e Natanael Damasceno originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 24 de março de 2011.
RIO - Após quase três meses de especulações vindas de todos os cantos da classe artística, o Ministério da Cultura (MinC) divulgou, em seu site, o projeto da nova Lei do Direito Autoral. A versão atual do texto foi elaborada pelo governo Lula depois de dois meses de consulta pública, em julho e agosto de 2010, e foi retirada da Casa Civil em janeiro, num dos primeiros atos da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, para quem o projeto deveria ser revisto. (Leia também: MinC torna público texto da reforma do direito autoral)
São muitas as alterações nos 115 artigos da proposta em comparação ao texto que foi colocado em consulta pública. Uma das mais significativas está no artigo 52-B, que trata de licenças não voluntárias. Antes, a proposta, se aprovada, daria poder ao presidente da República para conceder licença para reprodução de obras em determinadas situações mesmo contra a vontade do titular do direito. Na nova versão, a figura do presidente foi substituída pela Justiça.
Já no capítulo sobre as associações, a nova redação do projeto inclui um parágrafo que permite aos autores receber uma prestação de contas do órgão de gestão coletiva de seus direitos, inclusive por intermédio do Ministério da Cultura. Na lei em vigor atualmente, instituições como o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) não podem sofrer interferência alguma do governo.
- Eles escutaram as pessoas. O projeto que foi para a Casa Civil foi até mesmo melhorado em pontos pedidos por setores mais conservadores da sociedade - diz o advogado Daniel Campello Queiroz, da empresa UP-RIGHTS. - O projeto está pronto para ir para o Congresso. Estão aí todas as alterações possíveis de se fazer num projeto que atenda ao mesmo tempo os interesses de autores e da indústria.
O texto também agradou ao vice-presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), Carlos Mills. Há duas semanas, ele foi um dos signatários de um documento chamado "Terceira via do direito autoral", em que um grupo de artistas pedia uma nova proposta para a lei.
- A proposta amadureceu muito. Foram retiradas questões que suscitaram polêmica e que preconizavam uma excessiva flexibilização dos direitos autorais - diz Mills. - Mas é claro que um assunto dessa complexidade sempre comporta debate. Por isso, acho saudável que se discuta um pouco mais. No entanto, não quero dizer que este debate deva se prolongar excessivamente.
Doutor em direito e advogado especializado no tema, Bruno Lewicki corrobora os elogios à versão apresentada. Segundo ele, o texto está ponderado e mostra um esforço do MinC para adequar a primeira versão aos pontos levantados nas audiências públicas.
-- Ainda pode-se fazer um ou outro ajuste, mas, pelo que vi, é um projeto corajoso, bastante técnico. O mais importante é que ele traz consigo a ideia de equilíbrio, ampliando os direitos dos autores, especificamente na parte contratual. Além disso, não esquece os investidores da industria cultural. - diz Lewicki.- A partir de hoje, passamos a discutir um texto concreto. Agora, o que a gente espera é que essa discussão seja breve e objetiva, e que o projeto não seja alterado na essência.
A reforma da Lei 9.610, de 1998, foi uma das principais bandeiras das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira à frente do MinC. Por isso, de 2007 a 2010, o governo realizou congressos e reuniões com o setor, até chegar à versão do texto que foi enviada para consulta pública. Durante o processo, o MinC recebeu oito mil sugestões de alterações.
Mas, ao assumir a pasta, Ana de Hollanda afirmou que reveria o processo, intenção que é reiterada hoje pela responsável pela Diretoria de Direitos Autorais do MinC, Marcia Regina Barbosa. Ela não confirma, mas fala-se dentro do ministério que o texto pode, inclusive, ser posto mais uma vez em consulta pública.
- A posição atual é a de que o projeto pode ser aperfeiçoado e que, por isso, ele deve ser revisado - diz Marcia. - Nós vamos disponibilizar um cronograma indicando as ações a serem realizadas para a conclusão do processo de revisão.