|
março 23, 2011
O choque do novo por Paula Alzugaray, Istoé
O choque do novo
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 18 de março de 2011.
MoMA expõe guitarras de Picasso, a série com a qual o mestre inventou a colagem cubista, ancestral do "cut and paste"
Picasso: Guitars 1912-1914/ MoMA, NY/ até 6/6
“O que é isso? Pintura ou escultura?” Essa era a pergunta mais frequente entre os visitantes do ateliê de Pablo Picasso, em Paris, no verão de 1914, quando se deparavam com um violão montado em folha de ferro. “Não é nada disso. É uma guitarra”, resumia Picasso. De fato, sua “Guitarra” (1914) não era nem uma escultura sem pedestal nem uma pintura que escapava da parede. Mas poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo. Esses eram os anos do “choque do novo”.
Enquanto o mestre catalão rompia as fronteiras entre categorias artísticas, escritores como Apollinaire e Mallarmé quebravam os limites entre a poesia e o jornalismo. A ordem do dia era promover a ascensão da cultura popular sobre as artes eruditas. E o melhor ícone desse levante são as guitarras de Picasso, em exposição no Museum of Modern Art de Nova York até junho.
A exposição reúne duas guitarras – em folha de ferro e papelão – doadas pelo artista ao MoMA e uma série de 65 colagens, desenhos, pinturas e fotografias relacionadas ao tema, garimpadas de 35 coleções públicas e privadas de todo o mundo. A maioria das colagens é de dezembro de 1912, data que Picasso começa a introduzir matérias não convencionais ao seu trabalho. Jornal, papel de parede, pauta musical, rótulo de garrafa de vinho, cartolina, papelão, arame e até mesmo pedaços de desenhos antigos são usados para dar forma a composições de naturezas-mortas com violões e violinos.
Cavalheiros com chapéus e cigarros, ou guitarras sobre a mesa, qualquer que seja a imagem sugerida nas colagens, o que Picasso faz aqui é desafiar um sistema de representação baseado na figuração. Além de declarar seu amor à boemia e à música flamenca, com suas “Guitarras”, ele dá continuidade ao “cubismo analítico”, pesquisa iniciada em 1911, através da qual Picasso e Georges Braque começaram a enxergar a realidade com planos simples, abandonando a busca de volume propiciado pela perspectiva renascentista. Fazem 100 anos que Picasso começou a desconstruir copos, garrafas, faces, torsos e guitarras flamencas. Mas esse impulso desconstrutivista é a origem de toda a fragmentação que vivemos hoje.