|
março 21, 2011
Um brasileiro em Veneza por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Um brasileiro em Veneza
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 21 de março de 2011.
Por crises de orçamento, Neville d’Almeida poderá ser o único artista nacional na Bienal italiana
O cineasta Neville d’Almeida é, até agora, o único artista brasileiro confirmado para a 54.ª Bienal de Veneza, a mostra mais tradicional do mundo, que será aberta em 4 de junho. Ele vai integrar a exposição Entre Siempre y Jamás, com curadoria de Alfons Hug, no Pavilhão América Latina, no Arsenale da cidade italiana. Foi escolhido para exibir a instalação TabAmazônica, "mergulho na cultura indígena", como diz, numa construção de taba em que imagens são projetadas em seu interior ao som de música.
Na semana passada, a curadora-geral da 54.ª Bienal de Veneza, a suíça Bice Curiger, anunciou os 82 artistas selecionados para a mostra principal do evento e no time não há nenhum brasileiro. Ao mesmo tempo, a Fundação Bienal de São Paulo e a Funarte não conseguiram ainda encontrar uma solução para viabilizar a verba de R$ 400 mil necessária para a produção do catálogo e da instalação do artista Artur Barrio para ser apresentada no Pavilhão Brasil nos Giardini de Veneza, o espaço brasileiro do segmento das representações nacionais no evento.
Uma portaria de dezembro proíbe convênios do Ministério da Cultura com instituições privadas - e a Funarte, órgão ligado ao MinC, não pode repassar os recursos para a Fundação Bienal de São Paulo, responsável por selecionar a representação nacional na mostra italiana, produzir a obra de Artur Barrio, escolhido pelos curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias. "É uma pena que essa burocracia comece a comprometer coisas importantes como essa", diz o empresário Heitor Martins, presidente da instituição paulistana. "Estamos a menos de 70 dias da mostra e quanto mais tempo passa, menos o artista terá para produzir sua obra, o que começa a comprometer a qualidade dela." Segundo Martins, os contatos com os técnicos da Funarte têm sido "praticamente diários" para se achar uma solução. "Quando o Estado não consegue se organizar, o setor privado tem que assumir esse papel?", ele indaga.
Ano atípico. Falta de recursos também é um problema para o cineasta e artista Neville d’Almeida para sua participação na 54.ª Bienal de Veneza. Ele mesmo está batalhando por R$ 290 mil para produzir sua grande instalação TabAmazônica no Arsenale da cidade. "Já pedi ao MinC, à Funarte, ao Instituto Inhotim e até a colecionadores. É um ano atípico, de troca de governo, de ministros", diz Neville. "Sou artista sem galeria", completa. A obra, criada em 2003, foi exibida em 2009 nos espaços do Oi Futuro do Rio e de Belo Horizonte.
O alemão Alfons Hug, diretor do Instituto Goethe do Rio e que foi curador, em 2002 e 2004, de duas edições seguidas da Bienal de São Paulo, viu a TabAmazônica na cidade carioca. "Era uma versão maior da instalação e gostei muito da incursão na cultura indígena brasileira", afirma Hug. Convidado pelo Instituto Ítalo-Latino Americano de Roma, instituição que desde 1972 organiza o Pavilhão Latino-Americano na Bienal de Veneza, para fazer uma curadoria para esta edição do evento, Alfons Hug selecionou Neville d’Almeida para representar o Brasil na exposição Entre Siempre y Jamás.
A mostra, que ficará abrigada num dos espaços privilegiados de Veneza, vai reunir obras de 20 artistas da América Latina, cada um representando um país da região. Entre Siempre y Jamás, verso de poema do escritor uruguaio Mario Benedetti, será dedicada aos 200 anos da independência latino-americana.
O Instituto Ítalo-Latino Americano aluga o espaço no Arsenale para a exposição - orçada, segundo Hug, em cerca de R$ 500 mil - e há também patrocínios para a realização da mostra, mas, como diz o curador, "no caso da TabAmazônica pedimos ao Neville que ajudasse a conseguir os recursos."
Entretanto, o cineasta e artista brasileiro não corre o risco de ficar de fora da 54.ª Bienal de Arte de Veneza. "Se a Tab não for, temos o vídeo Verde Moreno do Neville, que vai de qualquer jeito", afirma Hug. O filme, com 4,5 minutos, foi realizado no Pará, na região de Carajás.
Latinos
O Pavilhão América Latina, em Veneza, terá ainda, entre outras, obras de Regina Galindo (Guatemala), Alexander Apóstol (Venezuela), Narda Alvarado (Bolívia) e esculturas vodu do Haiti.
QUEM É
NEVILLE D’ALMEIDA
CINEASTA E ARTISTA
O diretor de filmes como A Dama do Lotação (1978) e Navalha na Carne (1997) é conhecido no campo das artes visuais por sua parceria com o artista Hélio Oiticica, em Nova York, na década de 1970, na criação das instalações da série Cosmococa, chamadas de "quasi-cinemas".