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março 11, 2011
A ficção da vida real por Paula Alzugaray, Istoé
A ficção da vida real
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada no caderno Cultura da revista Istoé em 11 de março de 2011.
Obra de Antoni Muntadas chama atenção para os mecanismos de controle da sociedade contemporânea
Dirigido por Jean-Luc Godard em 1965, “Alphaville” é um filme no limite entre a ficção científica e o gênero noir. Nessa trama policialesca que se desenrola numa cidade do futuro onde os habitantes são liberados para satisfazer seus desejos, mas vivem sob o controle de um sistema inteligente, a missão do agente secreto Lemmy Caution é destruir Alphaville e seu ditador, o computador Alpha 60. No início dos anos 80, no Brasil, a empresa Albuquerque Takaoka se inspiraria no clássico de Godard para nomear o primeiro grande bairro projetado no País, formado por condomínios fechados, localizado na região metropolitana de São Paulo. “Como o filme de Godard, Alphaville, o bairro, é uma utopia que não funciona”, afirma o artista Antoni Muntadas, em São Paulo, na montagem da exposição “Informação>> Espaço>> Controle”, na Estação Pinacoteca.
Cinema e publicidade são duas máquinas de ilusão sobrepostas em “Alphaville e Outros” (2011), instalação inédita em forma de showroom, desenvolvida por Muntadas especialmente para São Paulo. Formada por vídeos, grades, muros, faixas, pôsteres e uma coleção de palavras de ordem da sociedade de consumo, o trabalho atenta para os sistemas de persuasão ativos na vida contemporânea. “Os condomínios retomam as utopias de Brasília: uma fantasia de país versus uma fantasia de vida”, diz o artista. “Não invento nada. Meu trabalho é uma análise sobre os fenômenos contemporâneos.” As retóricas de controle e vigilância são o alvo de Muntadas desde o começo de sua trajetória artística, nos anos 70. A exposição pontua esse caminho mostrando três instalações e três trabalhos em vídeo, realizados entre 1978 e 2011.
A matéria-prima de seus trabalhos são sempre coleções: fotografias, cartazes, frases, imagens televisivas e cinematográficas – material disponibilizado de maneiras diversas a cada montagem. Cabe ao espectador a edição e organização desse material. “Este não é um trabalho pedagógico”, diz Muntadas. “On Subjetivity” (1978) é uma mostra de que a obra é sempre resultado de processos coletivos – mesmo que subconscientes. Composta de uma publicação, um vídeo e 50 fotografias extraídas da revista americana “Life”, a instalação é, segundo Muntadas, um museu de antropologia da imagem. “Nos anos 70, a “Life” era uma revista de infiltração ideológica”, afirma o artista, que, ao enviar uma carta com uma fotografia para 250 pessoas, pedindo que respondessem com uma legenda, evidencia uma subjetividade crítica inerente a essas imagens.