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março 3, 2011
Vik Muniz mostra seus primórdios em SP por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Vik Muniz mostra seus primórdios em SP
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 3 de março de 2011.
Exposição no Tomie Ohtake reúne obras do início da carreira do artista famoso pelas construções fotográficas
Entre as obras estão uma mala de chumbo maciço, um sarcófago de plástico e um Mickey espetado com pregos
Eram de outra ordem as construções de Vik Muniz. Antes das fotografias aéreas, as montagens de chocolate e diamantes, e bem antes da fama avassaladora que tem hoje, o artista inventou uma série de estranhos objetos.
Juntos numa exposição agora no Instituto Tomie Ohtake estão as relíquias dos primórdios da carreira, muitas delas só fabricadas depois que obras mais famosas garantiram a verba para a produção desses trabalhos mais ou menos engenhosos.
São imagens arquitetadas em sonhos, obras de outros artistas, imagens recalcadas na memória e cenas bizarras flagradas na realidade, como quando viu um homem vestido de palhaço bater o carro.
Só os pés daquele velho palhaço se deixam ver por baixo de uma enorme cortina verde no espaço expositivo, como um vulto espalhafatoso que espreita a sala. Da mesma forma que um lençol numa cama em miniatura parece ostentar uma ereção.
São potências risíveis e carnais, talvez o lastro dessa produção, que sublinham a obra do artista em formação.
Nesse ponto, ele remete às origens quando transforma numa espécie de fóssil as engrenagens de uma motocicleta que tinha na adolescência, funde em bronze uma bola de futebol murcha e manda costurar uma flor artificial que se curva em perpétuo estado de fenecimento.
Talvez esteja aí a chave para o que veio a fazer depois: buscar um grau de realidade maior, ou finalidade, para o efêmero, suas construções descartáveis de comida, entulho, arame ou até confetes.
Finalidade, no caso, é tentar dar corpo a um amontoado de formas disformes, à matéria banal que filtra do estado bruto para a representação tangível. Muniz faz então uma arqueologia dos sentidos que norteiam as obras, explicitando uma vontade obsessiva de classificação.
Num enorme mural, o artista cataloga imagens de borboletas recortadas de revistas. Também fotografa flores artificiais atribuindo a cada uma o nome científico da espécie. Ainda coleciona bonecas, como fetos desmembrados, em vidros de formol dispostos numa cristaleira um tanto tétrica à meia luz.
Muniz ilustra esse conhecimento taxonômico juntando num único volume maciço todos os tomos da "Enciclopédia Britânica", uma pilha de papel que rivaliza em peso com a mala de chumbo sólido que mandou fabricar.
Seu Mickey espetado com pregos do vodu e uma ampulheta cheia de tijolos presos no gargalo arrematam as tentativas, frustradas ou não, de atingir um quê iconoclasta.