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fevereiro 24, 2011
Duelo de compadres por Marcus Preto, Folha de S. Paulo
Duelo de compadres
Matérias de Marcus Preto originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2011.
Em polos opostos , Caetano Veloso e Gilberto Gil encabeçam discussão sobre direito autoral que dividiu a MPB desde que o selo das licenças Creative Commons foi retirado do site do MinC
Caetano Veloso de um lado, Gilberto Gil do outro.
Parceiros na criação do movimento tropicalista, em 1967, os dois acabaram se tornando, nas últimas semanas, símbolos da polarização de opiniões dos artistas da MPB na discussão em torno da lei de direito autoral.
Em 20 de janeiro, a ministra Ana de Hollanda retirou o selo Creative Commons do site do MinC, colocado na gestão de Gil (2003-2008).
As licenças Creative Commons tornam mais flexível o uso de obras artísticas (como liberação prévia para uso em blogs ou remixes), em contraposição ao "copyright" (no qual o artista precisa autorizar caso a caso).
De um lado do ringue, Gil entende que as flexibilidades das licenças CC estão mais de acordo com a era digital, com o mundo pós-internet.
Do outro lado, Caetano, apoiado pela maior parte dos compositores que entraram na discussão -Roberto Carlos, Joyce, Jorge Mautner e outros- se posicionou contra as CC, dizendo que "ninguém toca em um centavo dos meus direitos autorais".
Em seguida, Gil criticou os opositores às CC de não levarem o diálogo para "uma dimensão esclarecedora".
Procurado pela Folha no começo da semana passada, Caetano disse, por e-mail, que vestia a carapuça tecida pelo velho companheiro.
"Visto. Mas não me causa incômodo", disse. "Eu não teria tocado no tema se a discussão, que o ministério Gil trouxe para dentro da política oficial, não me parecesse atraente e inevitável."
STATUS QUO
"Pois está na hora de ele tirar a carapuça", rebateu Gil, na quarta-feira passada, depois de fazer um show para internet. "De encarapuçados não precisamos. Todos têm que estar com suas feições claras, nítidas, à mostra, dizendo o que acham."
E seguiu. "Foi sempre assim: os que defendem o novo têm que ter argumentos mais nítidos. Os que reagem, porque estão defendidos pelo status quo, não precisam disso, precisam apenas reagir."
A reportagem retomou o assunto com Caetano, no dia seguinte. O músico chamou a paixão de Gil pelos avanços tecnológicos de "um pouco fascinada demais, tendendo para deslumbrada".
"Gil escreveu [a canção] "Pela Internet", mas, diferentemente de mim, não é uma pessoa de internet. Não é muito familiarizado, não anda muito nem no e-mail. Ele gosta mais é da ideia."
MUDANÇA
Segundo Gil, "a vida anda, a fila anda"
A seguir, os principais trechos da entrevista com Gilberto Gil.
Folha - Os opositores a licenças mais flexíveis, como é o caso das Creative Commons, estão apenas adiando o inevitável?
Gilberto Gil - É assim. É natural. Quando [Johannes] Gutenberg inventou a imprensa, os copistas também se revoltaram. Mas não teve jeito. Era o imperativo tecnológico que veio e varreu as coisas.
Folha - Os anti-CC argumentam que as licenças enfraquecem os direitos deles sobre a própria obra. Concorda?
É mentira. Ao contrário, [as CC] vão dar autonomia aos criadores de determinar como, quando e quais usos serão feitos de suas canções, de seus textos, de sua dramaturgia. E que consequências esses usos podem ter para quem usa e para os próprios autores.
E, vale lembrar, ninguém precisa usá-las se não quiser. As CC não são monopólio. Não está interessado em que você mesmo dê controle a suas obras? Prefere que isso se dê através de uma editora ou de uma gestão coletiva? Então fique com elas.
O que é preciso fazer para iluminar essa discussão?
A discussão precisa subir de patamar. Os opositores precisam apresentar um set de argumentos válidos. Não podem vir com conversa fiada. Quem é contra tende a ter uma reação mais emocional, típica do reativo. Esse estágio precisa passar e todos devem convergir para uma discussão de o que significam essas coisas de fato. O que significa transformar, atualizar leis, hábitos e acessos a novas condições tecnológicas. A vida anda, a fila anda. (MP)
PERMANÊNCIA
"Ecad é mesmo um mal?", quer saber Caetano
A seguir, os principais trechos da entrevista com Caetano Veloso.
Folha - Você mesmo afirma que os argumentos dos pró-Creative Commons são mais claros. Por que não se comove com eles?
Caetano Veloso - Há questões que não estão resolvidas, a respeito das quais os dois lados ainda não se confrontaram. Algumas coisas podem ser perguntadas a todos.
Folha - Por exemplo...
O Ecad é mesmo um mal? Os próprios defensores de CC reconhecem que o Ecad passou a arrecadar muito mais nos últimos anos. Ou seja, está mais eficiente. Tenho medo de acontecerem coisas como quando o Collor e seu ministro Ipojuca Pontes -com todos os argumentos aparentemente racionais e corretos para uma sociedade liberal- fecharam a Embrafilme.
Milhões de pessoas podiam dizer com razão que a Embrafilme era um monstro criado pela esquerda do Cinema Novo com os militares da ditadura. Que era um negócio estadista, confuso e, talvez, até corrupto. Porém, aquele gesto de simplesmente fechar a Embrafilme matou o cinema brasileiro por anos.
Folha - Acha que esse mesmo raciocínio vale para o Ecad?
Não acho. Mas tenho esse caso da Embrafilme como pano de fundo que me serve, por exemplo, para o Pelourinho e para o Ecad. São coisas muito diferentes, eu sei. Mas sinto que, às vezes, há uma tendência que, em alguma medida, aos meus olhos, se parece um pouco com o que o Ipojuca fez. Digo isso como uma espécie de caricatura do que eu temo. (MP)