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fevereiro 16, 2011
Impressões de Goeldi por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Impressões de Goeldi
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 15 de fevereiro de 2011.
Meio século depois de sua morte, maior gravurista do país segue como forte influência entre artistas
Quando chegou ao Rio em 1919, Oswaldo Goeldi não olhou para as amplas avenidas da cidade que tentava imitar Paris. Nem se deslumbrou com o sol dos trópicos que não via desde a infância.
Suas obras anularam a luz. Maior gravurista do país, Goeldi olhou com desconfiança para a ideia de progresso que tentava se firmar e retalhava em suas matrizes de madeira tipos marginais, sombras e desequilíbrios que políticos e artistas do momento ignoravam sem medo.
Faz 50 anos que Goeldi foi encontrado morto no quarto em que vivia de favor nos fundos de uma casa no Leblon, no Rio, hoje demolida.
Nenhuma grande exposição ou publicação está sendo planejada para relembrar a data, mas a atitude do artista que recusou a euforia vazia do período entre guerras é mais atual do que nunca.
Nascido no Rio em 1895, Goeldi passou infância e juventude na capital suíça. Trouxe de lá seus contornos angulosos, a fatura fibrosa da estética expressionista.
Eram contrastes de alta voltagem, quase sempre pendendo para o negro, que não encontraram acolhida fácil no Brasil e até hoje causam estranhamento no plano internacional, já que críticos estrangeiros não esperam esse peso do país do Carnaval.
"Ele alerta que as coisas são mais complicadas do que essa euforia nos faz crer", diz Moacir dos Anjos, curador que levou obras de Goeldi à última Bienal de São Paulo. "Nas gravuras dele, as pessoas são sempre solitárias, apressadas, criam uma tensão com o espaço público."
Nuno Ramos, artista que estava na mesma Bienal e construiu uma alusão à herança de Goeldi com urubus enjaulados sobre torres de areia socada no vão central do pavilhão, vê nas obras do artista uma
"vedação noturna para um sol excessivo".
"Goeldi tem um foco poético nítido, uma compreensão da vida como algo mais pesado, mais puro", diz Ramos. "É uma visão noturna, antitrópicos, algo de ordem alucinada, difícil, que está um pouco de costas para o país."
VISÃO NOTURNA
Essa recusa à alegria, que no plano formal se deu pela recusa à onda construtiva que Goeldi viu surgir, é hoje reenquadrada à luz de um país míope para as próprias mazelas, perdido na festa do pré-sal, trem-bala, Copa do Mundo, Olimpíada e afins.
Em cartas que escreveu a amigos na Europa, Goeldi dizia não ser capaz de "pegar um pouquinho do ardor deste sol lá fora". Em vez da orla cintilante, descrevia os subúrbios, com seus "portos abandonados, com navios encalhados, apodrecendo".
"Ele tem uma tristeza, uma melancolia", resume Noemi Ribeiro, pesquisadora que reuniu toda a correspondência de Goeldi. "É uma imagem de denúncia, de confronto com o progresso, a eletricidade, os carros, o rádio. Ele achava que não adiantava todo esse progresso."
E, na construção de suas imagens, Goeldi refreava essa mesma noção de avanço vertiginoso. É lenta a fatura dos traços, a dinâmica dos sulcos precisos na madeira.
Cada paisagem, vizinhança desarranjada tomava forma num ritmo alternativo à realidade, um descompasso já entranhando nas linhas arestadas de suas gravuras.
"Aquilo que a gravura demanda em termos de esforço, de tempo, media os embates intelectuais que ele tinha naquele momento", observa Dos Anjos. "Há um rigor ético e formal, como se ele tivesse tempo de meditar sobre o que estava vivendo na hora."
Dessa forma, Goeldi entrou para a história e se valoriza agora, por sugerir outro caminho. Foi o artista que soube começar pelo avesso, cavando formas a partir de uma "intuição muito forte".
Através do PROJETO GOELDI, entidade é mantida por admiradores da obra de Goeldi, com a proposta de desenvolver uma série de atividades culturais na área do artístico e cultural. Além de realizar simpósios, workshops, seminários, exposições e mostras, oferece consultorias para livros, web sites e produtos audiovisuais no âmbito artístico e cultural. Tem como finalidade organizar cursos, efetuar publicações, e coordenar pesquisas mantendo convênios e intercâmbios com instituições afins.
Atua também na produção e organização de exposições de arte e na preparação e formação de novos talentos. Com o objetivo de contribuir para a formação integral da pessoa através da arte e da cultura com enfoque na preservação da memória, da obra e da imagem do gravador Oswaldo Goeldi, seu patrono, e o fomento e a divulgação das artes visuais e da cultura artístico-literária brasileira, sendo responsável, também, pela guarda e organização de todo acervo de imagem e da obra do artista Oswaldo Goeldi.
Ao completar cinqüenta anos do falecimento de Oswaldo Goeldi, o Projeto Goeldi propõe este projeto a fim de resgatar sua memória e apresentar sua produção, rica em referências, trazendo à público informações inéditas sobre a arte brasileira envolvida no clima mágico que permeava a obra do artista e sua cidade - o Rio de Janeiro - além de sua intensa atividade na vida artística, por vezes, que serve como cenário imaginário no mundo encantado e onírico de suas maravilhosas obras.
A importância deste projeto e desta exposição refere-se principalmente ao cunho que ela se apresenta diferentemente de outras exposições póstumas que já aconteceram sobre o artista. Pois reúne o melhor da obra de Goeldi, espalhada em acervos de diversos colecionadores e instituições rigorosamente guardadas, mas também um acervo iconográfico e documental guardado pelos herdeiros de Goeldi que foram reunidos e restaurados para esta mostra.
Tudo isso retratando a vida e obra do grande gravador brasileiro Oswaldo Goeldi. Este projeto caracteriza-se pela singularidade de sua proposta, unindo a parte artística do trabalho de Oswaldo Goeldi, mas também, o lado humano que poucos pesquisadores, admiradores e estudantes da arte conhecem. Filho de Emilio Goeldi, cientista estrangeiro e muito bem conceituado no Brasil, teve que escolher entre a arte e sua família. Escolha esta, que lhe deixou marcas profundas retratado exaustivamente em suas obras.
Goeldi era um solitário, porém suas lembranças o fizeram um mestre da arte na gravura. Contemporâneo de grandes acadêmicos da literatura e das artes, porém toda esta convivência serviu para que ele a cada dia valorizasse o interior dos seres humanos simples e excluídos da sociedade, e que dentro de seu contexto ambíguo mereciam o mesmo respeito e dignidade dos intelectuais e poderosos. Oswaldo Goeldi, um eterno mestre...
Este trabalho é fruto de uma nova fase da obra de Oswaldo Goeldi. Quando a Família Goeldi, une forças com grandes escritores, pesquisadores, estudiosos, colecionadores e admiradores de Goeldi para mostrar ao grande público o lado humano de Goeldi.
O diferencial desta mostra é o lado sentimental do homem, o lado verdadeiro e sem fachadas, sem máscaras, descortinado através de sua obra e guardado há muitos anos pela família Goeldi.
Acreditamos que dar ênfase a este cinqüentenário, e publicarmos um catálogo com as obras e fotos do artista, com a colaboração de uma equipe extremamente comprometida com a biografia do artista, que se dedicam há mais de 30 anos neste trabalho será um marco na história da arte contemporânea e da gravura brasileira.