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dezembro 15, 2010
Artistas ocupam primeiro arranha-céu de São Paulo por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 15 de dezembro de 2010.
Edifício Sampaio Moreira, de 1924, abriga seis ateliês antes de receber a Secretaria Municipal de Cultura
Projeto está relacionado à revitalização do centro; artistas buscam transformar a vida nova no velho edifício
Um povo meio colorido tem subido e descido os elevadores suecos do Sampaio Moreira nos últimos meses.
Isso porque só três dos 12 andares do primeiro arranha-céu de São Paulo estão ocupados por seus ateliês -o resto, abandonado, é matéria-prima para esses artistas.
Seis deles estão trabalhando agora em estúdios criados nas salas do prédio construído em 1924, um "esquenta" bancado pela Red Bull antes que a prefeitura vá para lá com a Secretaria Municipal de Cultura, no ano que vem.
"Passo o dia inteiro andando pelos andares vazios", diz a artista Sofia Borges, tomando a segunda latinha de energético do dia. "Está em pleno processo de ruína, isso me interessa, é um desafio que acaba engolindo as obras."
Ela colou duas de suas fotografias -uma imagem da irmã feita há 20 anos e um camelo no zoológico- numa sala vazia da cobertura. Fica um grande silêncio observado por essas criaturas que destoam do estilo eclético de quase 90 anos atrás.
"Isso acontece pela força que esse espaço tem", diz Luisa Duarte, curadora que escolheu o grupo de artistas que ocupam o prédio. "Acaba gerando trabalhos que não são espetaculares, porque isso não tem a ver com o lugar, essa plataforma que causa invisibilidade."
Tanto que o projeto de Jaime Lauriano, jovem artista que começou a carreira mostrando suas obras num porão da Vila Mariana, agora gira em torno dos sons, e não de imagens, do prédio vazio.
"Vou andando por aí com um gravador", conta Lauriano. "É o silêncio da casa que me interessa, que traz essas possibilidades plásticas."
Silêncio e pó. Guilherme Peters, outro artista que se aventura pelo gigante abandonado no centro, teve a ideia de juntar a poeira acumulada nas salas para recriar imagens históricas do prédio ainda em funcionamento.
REVITALIZAÇÃO
Mas obras e marketing à parte, é um projeto em sintonia com a alardeada revitalização do centro paulistano.
Não muito longe dali, a Faap mantém uma residência artística na praça do Patriarca. Um prédio vizinho recebeu o acervo de um colecionador que pretende abrir o espaço para visitação.
Na São João, desembocando no Anhangabaú, uma galeria de arte africana e um hotel de Ramos de Azevedo recebem mostras temporárias.
Enquanto isso, muda a rotina do Sampaio Moreira. O artista Marcos Brias não terminou de criar sua obra, mas costuma comprar doces dos monges no mosteiro de São Bento e se encanta com o badalar dos sinos das igrejas.
No estúdio ao lado, Clara Ianni também pensa ainda em como transformar a vida nova no velho arranha-céu em alguma obra de arte.
"Tem toda essa memória, tem um resto de carpete, uma cortina, as marcas dos lustres", observa. "É o centro de São Paulo, um prédio abandonado. Deixo essa experiência informar o trabalho."