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dezembro 13, 2010
Um apelo à simplicidade por Camila Molina, estadao.com.br
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do Estadao.com em 8 de dezembro de 2010.
Marina Abramovic, estrela da performance art, exibe obras recentes e históricas em São Paulo
Em De Volta à Simplicidade (Back to Simplicity), mostra que Marina Abramovic exibe atualmente na Luciana Brito Galeria, há duas fotografias em que a artista segura uma margarida e lágrimas escorrem por seus olhos. São imagens sentimentalistas, afinal. Porque, como já diz o título da exposição, a sérvia, que se tornou uma representante histórica da performance art desde a década de 1970 - principalmente, de uma vertente de ações radicais com seu corpo - faz agora um apelo para que se "aproveite a vida ao máximo, já que temos a consciência de nossa morte". "Há lágrimas que são de entendimento", afirma ainda Marina, em entrevista ao Estado, por telefone, de Nova York, onde vive.
Segundo ela, alguma coisa mudou em sua vida depois que realizou a performance O Artista Está Presente (The Artist Is Present), o destaque de sua retrospectiva, de mesmo nome, este ano, no MoMA (Museum of Modern Art) de Nova York. Além de fotografias, vídeos, documentações de seus trabalhos, a própria Marina ficava sentada em uma cadeira no museu encarando, em silêncio, quem se sentasse a sua frente.
Para a artista, que nós últimos tempos tem seu interesse voltado apenas a performances de longa duração, foi um desgaste sua ação, mas ainda assim a revelação de que "não precisamos mais ter tantas coisas". "Era muito estranho voltar para meu apartamento - que é lindo - e pensar: Não quero tudo isso, é muito grande, muito sofisticado, quero uma coisa monástica, uma coisa que possa refletir meu estado interior...", ela conta também na entrevista ao curador Jacopo Crivelli Visconti em entrevista reproduzida no catálogo de sua atual mostra em São Paulo.
No caso das obras recentes de Back to Simplicity, foi uma paisagem na Itália que se tornou o refúgio de Marina Abramovic. Em fotografias de grande formato, vemos retratos da artista em comunhão com ovelhas e carneiros. Na primeira delas, ela leva nas costas uma "ovelha negra" entre um rebanho de ovelhas brancas. Depois, numa sequência de imagens, entre elas, a que ilustra esta página, Marina, vestida de branco, levanta um carneiro em meio a montanhas.
Na série, ainda, ela dorme pacificamente com os animais, os segura. Existe, assim, alguma referência a algum tipo de ritual? "O simbólico pode ser visto por cada um de uma maneira", diz a artista, que em uma mostra em 2006 no Sesc Pinheiros exibiu videoinstalação baseada na história dos rituais de fertilidade dos Bálcãs. Para fechar o primeiro conjunto de obras de Back To Simplicity, um vídeo apresenta Marina deitada sob uma árvore. Ela descansa.
Morte. Marina Abramovic esteve em novembro em São Paulo para a abertura dessa que é sua segunda individual na Luciana Brito Galeria. Na mostra anterior no local, em 2008, Objeto Transitório para Uso Humano ela apresentou uma série do que chama de "objetos" - e não esculturas - de motivo terapêutico feitos com pedras brasileiras. Mas agora, Back to Simplicity mistura o presente e o passado reunindo tanto séries novas e alguma parte inédita da artista - representada por fotografias e vídeos - quanto uma passagem por trabalhos históricos.
Há uma sala dedicada à série A Cozinha (The Kitchen), de 2009, que Marina diz ter se baseado em Santa Teresa de Ávila. Realizada na cozinha de um monastério da Ordem dos Cartuchos, local em que freiras faziam comida para oito mil órfãos, a obra ganha ares surreais com aparições da artista, vestida de preto, a flutuar pelo local.
Essa imagem está em um dos vídeos, mas em outro, Marina circunda com suas mãos um crânio. É a referência explícita à morte, com o símbolo que representa, na tradição da história da arte, o tema da "vanitas" (vaidade) - a mensagem de que todo ser é mortal. "Não que seja uma menção pessimista. A morte faz parte de um processo natural do ser humano. É um fato da vida", afirma a artista.
Entretanto, é curioso como a questão adentrou outro projeto de Marina Abramovic, o de fazer a cada seis anos, desde 1989, uma encenação sobre sua vida em parceria com diretores teatrais. A próxima peça, com estreia prevista para 2011 em Londres, vai ser dirigida pelo diretor e dramaturgo americano Robert Wilson. "Nesta, vou fazer minha mãe e eu mesma. Será sobre toda a minha vida, incluindo, agora, a morte, com dois funerais. Nunca havia feito isso", conta Marina.
Preservação. Conservar a memória de trabalhos emblemáticos - no balanço entre simplicidade e radicalismo - como a performance Rhythm 0 (1974), em que ficou durante horas em uma galeria de Nápoles disponível para que os presentes abusassem ou não de seu corpo ao colocar sobre uma mesa instrumentos diversos como navalhas e até um revólver, é uma preocupação para a artista. Tanto que o Instituto Marina Abramovic de Preservação da Performance Art em Hudson (NY) está previsto para ficar pronto em 2012, ela conta. Mas, enquanto isso, é possível ver na atual exposição em São Paulo vídeos e fotografias históricos de performances dos anos 1970 - entre elas, as famosas feitas com seu ex-parceiro Ulay. O catálogo bilíngue da mostra tem um caráter retrospectivo, mencionando todos seus trabalhos e ainda apresentando texto do filósofo e crítico americano Arthur C. Danto.
QUEM É
MARINA ABRAMOVIC
ARTISTA E PERFORMER
Nascida em Belgrado, em 1946, Marina, que vive e trabalha em Nova York, ficou conhecida a partir da década de 1970 por performances em que, muitas vezes, se colocava em situação de risco, dor e exaustão. Recebeu em 1997 o Leão de Ouro na 47.ª Bienal de Veneza, prêmio dedicado à sua carreira.