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novembro 22, 2010
Círculos de Tomie por Camila Molina, Estadão.com
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Estadao.com em 22 de novembro de 2010
Aos 97 anos, completados ontem, Tomie Ohtake mostra que está em plena atividade e faz reverência à forma circular em união com a cor na exposição com novas pinturas que inaugura amanhã
Em Kyoto, no Japão, a mãe de Tomie Ohtake colocava no aparador de sua casa apenas uma pequena flor e um objeto. "Tudo bem simples desde pequena", conta a artista, que, naturalizada brasileira desde 1940, completou justamente ontem 97 anos. Com a recordação da infância em seu país natal, Tomie, a seu modo, sintetiza o caminho que ela persistiu, naturalmente, em sua trajetória artística - a ida ao abstrato, ao "cada vez mais simplificado", ao essencial.
Assim como no haikai se condensa a poesia em pouquíssimas sílabas, Tomie Ohtake fala pouco (sorrindo) e elege o círculo - que na caligrafia japonesa simboliza o universo e o vazio - para ser o protagonista de suas mais novas pinturas. "Desde pequena gosto muito do redondo", recorda mais uma vez. "É uma forma sintética, tem amor e energia", completa ainda a artista, que amanhã inaugura no instituto que leva o seu nome, em São Paulo, mostra com 25 telas criadas entre 2009 e 2010. A exposição é um "passeio pelos círculos" de Tomie, em plena atividade.
"Trabalhei muito agora, como trabalhei!", brinca a artista, sempre de uma espontaneidade cativante. No ateliê abrigado na casa em que ela vive há 42 anos no bairro do Campo Belo - e projetada pelo seu filho, o arquiteto Ruy Ohtake -, Tomie recebeu a reportagem do Estado. A luminosidade em seu ambiente de trabalho é, por causa de uma claraboia e das portas de vidro que dão para o jardim, por vezes mais clara que no lado exterior. Lá, com a ajuda de Futoshi, artista plástico de Saitama - província de Tóquio -, seu assistente desde 1997, Tomie expressa em suas obras formas e cores de maneiras diferentes, entretanto, sempre abstratas. "Só quando o quadro fica pronto, vejo se a expressão ficou mais calma, ou mais violenta", diz ainda Tomie. "Arte contemporânea, não penso nada. Não tem tempo, tem meu estilo."
Zen. Já afirmou o crítico Paulo Herkenhoff que Tomie Ohtake é simplesmente zen pois "naturalmente abdica de qualquer intelectualização, verbalização e conceituação a respeito". A artista já disse que o círculo ou o redondo - como tantas vezes ela fala - não é o sol a simbolizar a terra do sol nascente, seu Japão, mas a forma em que condensa, expressa, expande com liberdade o tempo de seu "abstrato". É, assim, o motivo que revela o gesto. "Pequeno, parece ser só força do braço; grande, força do corpo inteiro", afirma Tomie. No caso de sua atual exposição, as obras são de formato expansivo, em torno de 2 m x 2 m.
Mas quase pouco seria do gesto se não houvessem as cores de Tomie. São muitas, variadas, nunca puras, misturadas - e, às vezes, levadas ao limite da transparência. Na atual mostra da artista, na primeira sala do Instituto Tomie Ohtake - numa felicidade, a sala circular do prédio, no primeiro andar - vê-se amarelo, vermelho, verde, preto, rosa, azul, marrom, branco, cinza. "Cada cor é um pensamento; não sei qual é a mais bonita", diz Tomie. "A cor do ar é bonita também porque ela é só para se sentir", continua a artista. Entretanto, o vermelho - que para tantos artistas é uma ameaça, assim como o amarelo - é a mais usada por ela em sua trajetória.
Na mostra, assim, está a série de todos os 25 círculos coloridos que Tomie criou em 1 ano e meio. Curiosamente, há uma força dupla na exposição - as pinturas são de impacto pelo conjunto, num movimento dos mais variados redondos, e ainda, de forma autônoma, cada quadro revela uma vida. Tomie gostaria apenas que o público sentisse suas obras.