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novembro 17, 2010
Luxo não sai da moda por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 05 de novembro de 2010
Monumental e requintada, a exposição de Takashi Murakami no Palácio de Versailles faz jus à paixão que o rei Luís XIV tinha pelas artes
Às portas da Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes, onde o rei Luís XIV da França (1638-1715) recebia seus convidados para dançar entre 357 espelhos e esculturas folheadas a ouro, a sexy recepcionista Miss Ko2 recebe os visitantes. Personagem de mangá japonês, ela foi transformada numa escultura em fiberglass, de 1,74 m de altura, pelo artista japonês Takashi Murakami. “Miss Ko2” é, no entanto, apenas um aperitivo para o banquete de obras que o visitante encontra na exposição “Murakami Versailles” – todas elas feitas em materiais nobres como ouro, prata, cobre e pedras preciosas.
Se suportar a lamentação de um grupo de conservadores que acusam Murakami de intrusão em monumento histórico, a mostra ficará em cartaz até dezembro. Mas o fato é que o casamento entre a opulência ornamental do classicismo francês e o mangá de luxo japonês não poderia ser mais perfeito. Murakami sabe como aliar técnicas tradicionais e imagens contemporâneas e faz de cada escultura um troféu.
Sob os olhos dos Bourbon pintados por seus artistas favoritos, a escultura “Yume Lion”, em alumínio com folhas de ouro, rivaliza em luxo com as tochas douradas do Salão de Apolo. Adiante, na antessala dos aposentos de Maria Antonieta, Murakami dá a sua interpretação para as joias da rainha. “The Simple Things” é a escultura de uma criatura repugnante, que guarda entre afiadas arcadas dentárias um vidro de ketchup cravejado de rubis, uma loção Johnsons feita de safiras e uma lata de Pepsi de diamantes. Murakami não tem problemas em citar marcas. Sabe rimar marketing e arte contemporânea e é controverso por isso (leia bate-papo).
Seu reconhecimento internacional veio depois da primeira exposição fora do Japão, na Galerie Emmanuel Perrotin, em Paris, em 1995. Mas ele ganhou fama para além do circuito da arte quando o estilista Marc Jacobs convidou-o para reinterpretar a marca Louis Vuitton na primavera-verão de 2003. A parceria funcionou tão bem que em 2008 Murakami entrou na lista das 100 personalidades mais influentes do mundo feita pela revista “Time”. Para se ter uma ideia de quanto ele cresceu, sua “Miss Ko2”, vendida em 2003 por US$ 567 mil está estimada hoje entre US$ 4 milhões e US$ 6 milhões.
A irreverente homenagem que Murakami rende a Versalhes, “um dos maiores símbolos da história ocidental”, segundo palavras do próprio artista, se consagra na apoteótica Sala da Coroação. O local, um dos pontos turísticos máximos do castelo, reúne três pinturas históricas monumentais de Napoleão e ganhou de Murakami um pequeno Buda branco, feio e nu, intitulado “The Emperor’s New Clothes”. A associação que ele faz entre a realeza francesa e a fábula do rei que fica nu diante dos súditos é um dos nós da querela entre tradicionalistas e modernos franceses.
Ao convidar Murakami, a administração do museu foi fiel à tradição do monarca conhecido como “Rei Sol”, que construiu a imagem pública de patrono das artes. Ele é o terceiro artista contemporâneo convidado a expor em Versalhes. Jeff Koons levantou poeira por lá em 2008, e foi seguido pelo menos controvertido artista Frances Xavier Veilhan em 2009. “É notável que a reação contrária à entrada da arte contemporânea em Versalhes ecloda com a mostra de uma produção não ocidental no templo da civilização burbônica. Trata-se de mais uma evidência da necessidade de a França atual buscar representações de uma identidade cuja compreensão lhe escapa”, analisa o crítico, historiador e curador brasileiro Felipe Chaimovich.