|
novembro 12, 2010
Fundação Bienal de São Paulo anuncia artista selecionado para representar o país na 54ª Bienal de Veneza, no Pavilhão do Brasil
O artista Artur Barrio apresentará seu trabalho no pavilhão brasileiro
A Bienal de Veneza é a mais antiga das grandes mostras internacionais de arte, tendo sido criada em 1895. A cada dois anos, uma grande exposição coletiva e dezenas de pavilhões nacionais trazem à cidade italiana centenas de artistas do mundo inteiro.
Ao longo das duas últimas duas décadas, mais e mais artistas brasileiros têm sido chamados pela curadoria do evento a participar da mostra coletiva, um claro indicador da crescente importância que a produção do Brasil ocupa no mapa internacional da arte contemporânea.
O pavilhão do Brasil, por sua vez, construído em 1964 no espaço mais prestigiado do evento italiano, os Giardini, é o lugar onde o próprio país escolhe e expõe artistas que a cada nova edição o representam.
Desde 1995, a responsabilidade por essa escolha foi autorgada pelo governo Brasileiro à Bienal de São Paulo, reconhecimento da grande importância da instituição – a segunda mais longeva no gênero em todo o mundo – para as artes visuais do país. Para realizar a curadoria do pavilhão brasileiro na próxima edição da Bienal de Veneza, a ser inaugurada em junho de 2011, a Fundação Bienal de São Paulo convidou os responsáveis pela 29ª Bienal de São Paulo, Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos.
O artista escolhido pelos curadores para ocupar o pavilhão brasileiro na 54ª Bienal de Veneza é Artur Barrio. Nascido em Portugal em 1945 e vivendo no Brasil desde os dez anos de idade, Artur Barrio tece, a partir do final da década de 1960, uma das mais originais obras no campo experimental da arte contemporânea brasileira. Uma obra que desafia os limites arbitrários a que a arte é comumente confinada e que escapa a catalogações fáceis.
Embora Artur Barrio trabalhe com técnicas e procedimentos os mais variados, o núcleo conceitual de sua trajetória são as Situações que cria em ambientes diversos, nas quais corpos e coisas postos em movimento modificam, de modo efêmero, um lugar e um instante. Em uma das Situações mais conhecidas, realizada durante a ditadura militar brasileira, Artur Barrio depositou trouxas ensanguentadas próximas a um córrego em Belo Horizonte, confundindo por algum tempo passantes e polícia e evocando o estado de exceção então vivido no país.
As Situações têm origem nas anotações, desenhos e colagens com que preenche o que chama de CadernosLivros. E são mais conhecidas do público por meio dos Registro-fotos, Registro-filmes ou Registro-livros que o artista faz de cada uma. Nem
CadernosLivros nem Registros se confundem, contudo, com as Situações. Estas estão sempre aquém ou além de qualquer forma de registro, não se deixando aprisionar como imagem, texto ou objeto. É nesse campo do inapreensível que Artur Barrio constrói sua singular trajetória.
Artur Barrio também faz trabalhos que interrogam a sacralidade das instituições de arte por meio do uso de materiais perecíveis, tais como sal, carne, madeira, peixes, pães ou pó de café, reunidos em grandes instalações que embaralham as coordenadas sensoriais do público. São trabalhos que, assim como as Situações, afirmam a insuficiência de toda e qualquer documentação para apreendeer o gesto artístico e que propõem a experiência transiente gravada na memória dos sentidos como forma de emancipar.
A escolha de Artur Barrio como representante do Brasil na 54ª Bienal de Veneza atende a pelo menos duas motivações. A primeira e mais fundamental delas é a de afirmar, no espaço institucional de maior poder de consagração no cenário artístico mundial, a relevância e a originalidade de sua obra, quer no contexto da arte brasileira, quer no âmbito da produção internacional.
Obra que, em anos recentes, tem nos mares por onde o artista navega com frequência elemento deflagrador de criações e articulações poéticas. Tal como a cidade de Veneza, também a obra de Artur Barrio depende, cada vez mais, do mar e do ato de navegar.
A segunda motivação dessa escolha curatorial é a de ampliar, a partir de plataforma expositiva tão privilegiada com a Bienal de Veneza, o entendimento de que a tradição experimental da arte brasileira é mais diversa do que as simplificadas visões que circulam em mostras e publicações no exterior.
Embora ancoradas em criações fundamentais da cultura brasileira como o neoconcretismo, a bossa nova e a arquitetura moderna feita no país, tais leituras quase sempre excluem os traços de inacabamento, de atrito e de ruído simbólicos que são também cruciais na formação do Brasil contemporâneo. Traços que se impõem como força inventiva na obra de Artur Barrio e que perpassam igualmente o projeto da 29ª Bienal de São Paulo.
A escolha de Artur Barrio como único artista a ocupar o pavilhão do Brasil na próxima edição da Bienal de Veneza também rompe com uma prática de muitos anos: a de convidar, para cada um das duas salas expositivas do pavilhão, um artista diferente. Ao privilegiar a exposição de somente um artista, a curadoria propõe a imersão na obra de um único criador e de sua visão de mundo. Em vez de restringir a experiência do público, essa estratégia busca o contrário: tornar de fato pulsante o que, quando visto em espaço repartido, é somente promessa e potência adiada.
Entre junho e novembro de 2011, o pavilhão brasileiro na 54ª Bienal de Veneza dará mais outra prova contida na presença rigorosa e radical da obra de Artur Barrio, da diversidade que ampara e projeta a produção artística feita no país.