|
outubro 27, 2010
Entrevista com Laurie Anderson por Nina Gazire, Istoé
Entrevista com Laurie Anderson originalmente publicada na Istoé em 22 de outubro de 2010
“Não sou uma pessoa muito ligada em tecnologia, eu não curto esse entusiasmo em torno dela”
Incensada como um dos grandes nomes da arte multimídia nos últimos 40 anos, Laurie Anderson aos 63 anos, inaugura neste mês de outubro, sua primeira retrospectiva no Brasil. Conhecida por sua produção musical de vanguarda, a artista já esteve aqui anteriormente para apresentações de performances e shows. Em entrevista a Istoé Anderson fala sobre a exposição “I in U” ( Eu em Tu) e sobre a sua relação com a tecnologia:
ISTOÉ- Muito se diz sobre o tema principal do seu trabalho ser sobre a massiva presença da tecnologia na nossa sociedade. No entanto, pode-se dizer que a base do seu trabalho não é a tecnologia em si, mas a linguagem. Como isso poderá ser visto na sua retrospectiva?
Laurie Anderson - A linguagem não é uma tecnologia. São apenas palavras. Eu utilizo a tecnologia apenas como ferramenta. A tecnologia é apenas nossa caneta. Não sou uma pessoa muito ligada em tecnologia, eu não curto esse entusiasmo em torno dela. Não acho que seja boa toda essa dependência que criamos em relação a ela. Inclusive acho que usar o termo artista multimídia hoje em dia é descabido, qualquer um é multimídia hoje. Mas existem artistas que questionam a tecnologia através da estética. Aí sim, estes são trabalhos sobre tecnologia, porque a questão na obra é o modo como a tecnologia é apresentada. Um exemplo nesse sentido é o do coletivo artístico The Builders, que está focado nos efeitos da tecnologia na sociedade atual.
ISTOÉ-Mas o seu trabalho é constantemente associado a essa estética tecnológica pela crítica.
Anderson - Grande parte do meu trabalho lida com imagens precárias, gastas, são ruínas visuais. Definitivamente são diferentes do circo eletrônico do século 21. Se você observar bem, não estou usando tecnologias muito avançadas nos meus trabalhos mais recentes. Para essa exposição estou usando a mesma tecnologia que usei para construir vários dos trabalhos durante os anos 1970. Sem dúvida, a tecnologia atual é melhor, e principalmente, mais rápida nos resultados. Questiono a substituição acelerada desses “gadgets” um pelos outros, que são iguais e menos duráveis. Às vezes me pergunto se o carro é mesmo melhor que a bicicleta. Ele é mais rápido, mas faz a mesma coisa que uma bicicleta. Espanta-me o fato de que a tecnologia que foi usada para colocar o homem na Lua, hoje não sirva pra nada. Não encontramos os seus remanescentes nem em lojas de sucatas. Da mesma forma se quero comprar um telefone velho e bom eu também não o encontro. O que eu acho são telefones novos que não funcionam e não tem a mesma durabilidade. Eu estou soterrada por um monte de tecnologia da mesma forma que outras pessoas.
ISTOÉ-O que poderá ser visto nessa sua primeira retrospectiva no Brasil, então?
Anderson - Bom, uma coisa que percebi sobre a cidade de São Paulo é que essa é uma cidade muito barulhenta. Nova York também é uma cidade bem barulhenta. Isso faz com que eu me sinta em casa. Quando cheguei ao CCBB eu pensei se não seria bom fazer algo que fizesse com que as pessoas se perdessem em seus mundos interiores. O público estará em uma sala e também cercado de muito barulho. Então dispomos essas mesas de som como peças centrais onde as pessoas poderão fazer essa viagem. Não é um delírio tecnológico. È algo que diz mais sobre uma experiência física e íntima. Isso significa parar para escutar ruídos mínimos que são eclipsados pelo barulho da cidade. Acho que isso se relaciona bastante com a cidade de São Paulo nesse sentido. Existem coisas nessa mostra que as crianças vão gostar muito. E outras que não. Eu tenho uma criança interior muito forte. Todo mundo gosta de uma boa história, e a mostra é basicamente sobre isso contar histórias.
Por exemplo, para fazer as minhas pinturas e desenhos que estão na mostra, eu me inspirei no aspecto gráfico que a cidade tem. Gosto de imagens, feitas rapidamente, onde estou contando essas histórias de forma prolongada. Uma das histórias é chamada de “A história sobre a história”, e é uma história sobre motivação. È inspirada no conto do Burrinho e a da cenoura, que é universal. Nós temos esse sistema de compensação onde pensamos sempre que se fizermos isso, teremos aquilo e tal. Só que em minha história o burro morre. Mas e se o burro morre o que resta a fazer? Chega de cenouras. Existe uma série de seres humanos que perderam seus burros. O que você faz quando o seu sistema não funciona mais? Eu adoro livros e usei este mesmo tema em minha série de performances chamadas “Delusions”. Existe uma frase no livro “Moby-Dick”, de Herman Melville, que é a seguinte: “o que resta ao homem se ele vive mais tempo que o seu deus?”, que diz exatamente sobre essa mesma questão do burro e da cenoura. Quanto mais temos, mais queremos e nunca estamos satisfeitos. Essas imagens da exposição são uma reflexão para essas perguntas que na verdade não possuem respostas. Como é possível responder essa pergunta? Acho que a questão está no momento em que a pergunta é feita, ou no momento em que estamos vivendo. Pessoalmente o as minhas respostas estão na música.
ISTOÉ-Então, se pode definir seu trabalho através do ato de contar histórias e dá música?
Anderson - Sim, mas eu não estou muito interessada em categorias. Tudo bem quanto às categorias, mas eu queria que não se usasse esse muito deste recurso. Ao categorizar algo, você está categorizando você mesmo. E ser livre é estar além dessa forma de entendimento. Não vivemos em uma sociedade onde são todos iguais, e nunca viveremos. Esse é um tipo de sonho louco. Mas temos os direitos iguais de querermos sermos nós mesmos. Cada vez mais, as pessoas são obrigadas a viverem estilos de vida parecidos. Você pode ter uma profissão, mas é também milhões de outras coisas, além disso. Atualmente, eu sou conhecida em Nova Iorque como Laurie Anderson, a artista. Mas eu tento na medida do possível fugir disso e me proporcionar outras possibilidades. Nos EUA são dadas poucas possibilidades de uma pessoa querer ser algo além da profissão dela. Nova York é assim, uma cidade muito competitiva, mas acho Los Angeles pior. Lá existe essa “economia do vodu”, onde todos torcem para que você fracasse. Eu penso que os realities shows são um reflexo disso. Não estamos ali torcendo para alguém dar certo, mas sim para essa máquina do sucesso, pelo mecanismo da fama. O show em si pouco importa. Às vezes fico esperando e pensando se alguma revolução vai acontecer e mudar tudo isso. Você vê as pessoas preocupadas apenas com o trabalho, não vê pessoas felizes na rua. O mundo da arte inclusive também está assim.