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outubro 27, 2010
Laurie canta um conto por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 22 de outubro de 2010
A multimídia Laurie Anderson ganha sua primeira retrospectiva no Brasil e mostra 40 anos de música, imagens e histórias
“A tecnologia é apenas minha ferramenta de trabalho. Não sou muito ligada nem curto esse entusiasmo em torno da tecnologia”, diz a performer e musicista americana Laurie Anderson, categorizada como uma das precursoras da arte high tech e conhecida pela música “Superman”, grande sucesso na década de 1980. Aos 63 anos, em São Paulo para uma individual no CCBB, Laurie mostra que, antes de ser uma exímia inventora de instrumentos musicais e criadora de performances tecnológicas, ela é uma excelente contadora de histórias. “Meu objetivo aqui é o de proporcionar às pessoas uma viagem interior”, diz ela sobre a exposição de 31 obras e 19 filmes, que abarca 40 anos de produção.
Laurie começou sua carreira na década de 1970, após formar-se em história da arte em uma das instituições mais tradicionais dos Estados Unidos, a Bannard College, passando em seguida a atuar no circuito underground de galerias de Nova York. Desde o início, sua principal aspiração foi a música, mas não uma música qualquer. Seu sucesso com “Superman” é quase acidental e se deu depois que o famoso dj de rock da rádio BBC John Peel recebeu em mãos um single da composição, que, aliás, é muito mais uma peça sonora do que música em si. Antes disso, bebeu da fonte que brotava do novo cenário cultural e associou-se a alguns dos principais nomes da vanguarda musical, como Philip Glass, John Cage e Frank Zappa. A música eletrônica e a noção de antiarte passaram a orientar sua criação, na qual a palavra falada enfatizava o gesto performático. Há pouca melodia, no sentido mais tradicional do termo, em sua produção. O que realmente se tem é uma profusão de sentenças, vozes e proposições poéticas que, articuladas ao som de sintetizadores, se tornam aquilo que Laurie define como sua obra: uma sinfonia de histórias.
As pinturas realizadas nas paredes do CCBB são pequenas narrativas, inspiradas em HQs e artes gráficas, que completam o sentido das demais obras presentes no espaço. Um desses trabalhos é “A História sobre a História”, retirada da parábola “O Burrinho e a Cenoura”, em que um burro, tendo à sua frente uma cenoura dependurada, persegue-a eternamente. Ou não, segundo Laurie. “Nós temos esse sistema de compensação onde pensamos sempre que, se fizermos isso, consequentemente teremos aquilo e tal. Só que na minha história o burro morre. Se o burro morre, o que resta fazer? Chega de cenouras. O que você faz quando o seu sistema de crenças não funciona mais?”, indaga.
Outra inspiração é a cidade de São Paulo, que influenciou a montagem da exposição. Laurie contou com a ajuda do curador Marcello Dantas para adaptar suas instalações de forma que dialogassem com a identidade sonora da cidade. “São Paulo é extremamente barulhenta, por isso na montagem enfatizamos aquilo que é imperceptível diante do ruído. Isso faz com que as pessoas se forcem a escutar e a entrar na obra”, afirma Dantas sobre a exposição que, na realidade, é uma grande viagem pela história de uma das artistas mais completas e inovadoras dos últimos tempos.