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outubro 27, 2010
O lance da arte por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de outubro de 2010
Livro descreve com ironia e acidez os bastidores do mundo da arte, dos ateliês e bienais aos leilões milionários
Na mão esquerda, Sarah Thornton usa um anel com uma tecla de computador que traz escrita a palavra "Bild", imagem em alemão. Ela faz anotações num Moleskine vermelho, usa sandálias em estilo gladiador com acabamento prateado e deixa ver as unhas dos pés tingidas de esmalte laranja vivo.
Sorri e gargalha entre as frases, deixando ver dentes brancos em perfeito alinhamento atrás de lábios cobertos de batom cor de sangue.
Thornton, alvo desta entrevista, está aqui descrita como faz com seus interlocutores no livro "Sete Dias no Mundo da Arte", que ganha agora tradução para o português, pela Agir. Antes de qualquer conteúdo, uma imagem -já anuncia o anel.
No livro que está em sua sétima edição nos Estados Unidos e passou meses em listas de mais vendidos pelo mundo, com versões até em chinês e japonês, Thornton destrincha em escala global o chamado mundo da arte.
Penetra nos lugares onde poucos conseguem entrar e conta tudo que viu e ouviu.
Põe em prática sua formação de antropóloga para enquadrar com ironia e acidez os ritos e cerimônias da tribo que veste Prada e devora arte.
"Não sou uma crítica, não escrevo resenhas", diz Thornton à Folha, no café de um hotel em São Paulo, onde veio pesquisar para seu próximo livro. "Se quer escrever sobre os bastidores da cena, não pode julgar o que vê."
Talvez não seja explícito seu julgamento, mas um tom de deboche sublinha as cenas mais absurdas do livro. Num leilão da Christie's, descreve o teste dos microfones, para que o som das vendas saia cristalino. Gasta um par de linhas analisando a roupa de marchands e destaca a atitude arrogante da repórter do "New York Times" que cobre mercado de arte.
PUREZA E MERCADO
Em tudo, Thornton parece ver um embate entre uma suposta pureza da arte e suas dimensões como instrumento de mercado e objeto de fetiche. Vai a Tóquio ver de perto o ateliê de Takashi Murakami, que descreve como uma enorme fábrica branca.
Não faz rodeios para dizer que "Oval Buddha", a escultura que vê sendo feita, é a obra mais cara do artista "com orçamento de um pequeno filme de Hollywood".
Seu livro, escrito antes da recessão global que arruinou o mercado da arte, reflete um momento de bonança e recordes nas feiras e leilões.
No próximo título, que deve mostrar a emergência de novas capitais do circuito, como São Paulo, ela se volta mais para os artistas -entrevistou, por exemplo, Nuno Ramos e Marilá Dardot, que estão na Bienal, e Iran do Espírito Santo e Carmela Gross.
"Há um interesse maior em arte contemporânea, nossas culturas estão mais orientadas por aspectos visuais", diz Thornton. "Para aqueles que não têm religião, existe um fascínio pela criação de significados, e a arte toma as dimensões de um deus."